Fotografia by Né - Ribeira dos Caldeirões, Achada - Nordeste São Miguel Açores

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Passa o tempo...


"Assim vamos persistindo, como barcos contra a corrente, incessantemente levados de volta ao passado."
F. Scott Fitzgerald

Quando achamos que já estamos seguros, no mar alto a caminho de futuro, e que nenhum fantasma ou nenhuma sombra do que deixamos para trás nos conseguem alcançar, eis que os sentimos pairar sobre nós e que nos vemos envolvidos em memórias, em lembranças e, por vezes, em lágrimas saudosas…
Não vale, pois, a pena gastar demasiadas forças a remar contra a corrente… Não compensa acelerar em demasia a caminho de um desconhecido que poderá ser mais nocivo ainda… O melhor que temos a fazer é desfrutar da viagem, descansar em cada porto, apreciar cada nascer ou pôr do sol, saborear a maresia, inspirar a aragem, mergulhar quando o mar nos convida, descansar quando o cansaço nos invade e revisitar esse passado que deixamos como uma galeria de arte…
Ao passearmos pelas suas salas, encontraremos quadros que nos comoverão, outros que nos farão rir… Alguns ser-nos-ão já indiferentes, outros far-nos-ão lamentar a nossa ausência daquele cenário… E porque a Vida é, na sua essência, arte inesperada, caleidoscópica e incansavelmente rica teremos infinitas sensações a brotar de nós de forma natural e inevitável. Façamos disso mais uma etapa da nossa travessia e não uma paragem demorada ou derradeira...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Foi/É Natal...


"Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave…
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada."

David Mourão-Ferreira

Foi e ainda é Natal… E nesse estado natalício das coisas podia ter sentido a falta dos que não estiveram comigo. Alguns porque já não pertencem à mesma dimensão que eu, outros porque as suas vidas se redimensionaram sem que a minha se cruzasse com as suas órbitas… Podia ter-me sentido sozinha no meio da azáfama dos preparativos ou do barulho da família (re)unida… Podia ter pausado a alegria própria da quadra e colocado em replay as desilusões, as saudades, as tristezas, os medos…
Não o fiz, nem o farei. Mas pensei e penso nos amigos que este ano perderam alguém e que sentem um vazio mais frio do que o de qualquer gruta ao festejarem o primeiro Natal com essa ausência. Pensei e penso nos que têm alguém próximo a acercar-se do fim e que a todo o custo tentem travar esse passo. Pensei e penso naquela jovem mãe de três filhos, cuja história tenho vindo a acompanhar, que luta contra um cancro violento e contra todos os problemas económicos que dessa condição advêm… Não deixou de ser Natal por eu pensar em tudo isso.
Talvez não tenha dado as mãos a ninguém no gesto físico desse ato. Mas estendi os braços para o firmamento do Universo e tentei tocar com o meu pensamento as linhas que entrelaçam a minha existência com a dessas pessoas. E sei que, em jeito de consoada, lhes servi a minha solidariedade genuína, regando-a com a energia positiva de quem acredita que tudo poderá encontrar o seu rumo certo, seja ou não Natal...

domingo, 30 de novembro de 2014

Outonos...


"Não há melhor momento do que o outono para começar a esquecer as coisas que nos incomodam. Deixar que se soltem de nós como as folhas secas, pensar em voltar a dançar, aproveitar cada migalha de um sol que ainda dá calor, aquecer o corpo e o espírito com os seus raios, antes que ele vá dormir e se transforme apenas numa fraca lâmpada nos céus."
Paulo Coelho

O outono já vai longo e cheira a inverno… O Natal vem aí nos gestos apressados de quem o prepara a ver se não o deixa fugir. Mas ainda é tempo de continuar (e não começar) a esquecer as coisas que nos incomodam… Não só deixar que se soltem como as folhas secas se libertam das árvores, mas pisá-las e ouvi-las estilhaçarem-se crocantes debaixo dos nossos pés, naquele som característico que adoramos desde crianças.
E, enquanto ouvimos os primeiros sons de jazz natalício, dançamos pelas memórias que persistem em instalar-se e, como se fizéssemos limpeza a uma gaveta atulhada de papéis, rasgamos as que já não pertencem aos arquivos que nos fazem sorrir.
Na falta de um sol que vem de fora, centramo-nos na vela acesa que nos aquece a secretária do trabalho e sabemos que também há uma que nos ilumina e aquece bem no centro da nossa alma. Porque acreditamos que sim, porque confiamos em nós próprios e porque não queremos esfriar… Nunca...

domingo, 26 de outubro de 2014

Luz e silêncio


"Um dia virá
em que a minha porta
permanecerá fechada
em que não atenderei o telefone
em que não perguntarei
se querem comer alguma coisa
em que não recomendarei
que levem os casacos
porque a noite se adivinha fresca.

Só nos meus versos poderão encontrar
a minha promessa de amor eterno.

Não chorem; eu não morri
apenas me embriaguei
de luz e de silêncio."

Rosa Lobato Faria

Tem sido um fim de semana outonal cheio de luz. Começou com um dia preenchido de momentos sociais, continuou com uma manhã de afazeres relacionados com o trabalho (que professor não se está já a ver no famoso frente a frente com as primeiras pilhas de testes?), mas agora vai entrar na fase da acalmia, do sossego, de algum descanso.
Não se quer que o telefone toque, deseja-se que ninguém nos bata à porta, pretende-se ficar a namorar uma tarde de paz, dourada através da janela, perfumada pelas velas que se vão acender, enriquecida pelo livro que vamos segurar ao colo...
Embriaguemo-nos de luz e de silêncio porque merecemos, porque precisamos, porque viver também é poder fazê-lo...

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Aniversários...


"Nunca gostei de passagens de ano nem de aniversários. Talvez tenha uma questão mal resolvida com os ritos de transição, mas tendo a deixar-me cair na melancolia sem qualquer razão que consiga descortinar. Ainda assim, sei que o dia seguinte tem os seus efeitos: enche-nos os pulmões com um ar renovado vindo sabe-se lá de onde e mostra-nos que a esperança e a confiança em nós próprios não são conceitos assim tão etéreos quanto isso.
Fazer anos é um estranho festejo de mais um conjunto de 365 dias durante os quais celebramos sucessos, carpimos fracassos e tememos imprevistos. Um aniversário é um lufa-lufa de agradecimentos e sorrisos, para aqui e para ali, é um ror de surpresas por nunca antes termos suspeitado que tínhamos uma importância relevante na vida desta ou daquela pessoa. Mas, acima de tudo, é um extenso momento de comunhão.
Cada minuto é passado com os outros, numa dádiva sem igual. Recarregamos as baterias para nos recordarmos que este indivíduo que cresceu existe, não para si mesmo, mas para se entregar a quem o reclama. As mensagens caem no telefone numa tempestade tão torrencial que se transforma numa esmagadora bonança não encomendada. São horas - horas, senhores! - a responder a mensagens disparadas de todas as direções, com um "obrigado" que já parece vazio por estar tão gasto. E depois os telefonemas, que mal nos deixam aproveitar o almoço com a família que não se via há meses. A família, essa, compadece-se com o toque já irritante de um telemóvel que não nos deixa sossegados. Nos entretantos, aproveita-se para lembrar ou descobrir histórias de infância. E daquela vez que começaste a ler sozinho aos quatro anos? E daquela vez que te espetaste de um banco abaixo e fizeste uma fratura exposta? E daquela vez…
E mais tarde, num breve momento de reflexão, damo-nos conta da idade. Caramba, a idade. Já são tantos anos: quase três décadas, raios todos me afundem! Ainda há meia dúzia de dias se brincava com os Legos e os Playmobil e agora os brinquedos são outros - mas o miúdo é o mesmo. Em retrospetiva, reparamos que mudamos muito, mas não mudamos assim tanto.
"Estás a ficar crescidinho", diz-me um amigo que tem estado por perto ao longo dos últimos vinte anos. E eu reconheço-lhe a verdade nas palavras, não porque agora tenha o aspeto insuspeito de um homem adulto, mas pelas ideias que trago debaixo do diminuto penteado. Quanto mais os anos avançam, melhor se compreendem os clichés que por aí andam.
Depois da injeção de força dada por todos os que nos circundam, damos por nós a chegar ao final do dia e a dizer a nós mesmos: "Ok, agora é contigo. Só contigo." Há até uma lágrima que, depois de nos marejar o olho direito, teima em cair face abaixo, apenas para nos recordar que nós, refugiados provindos dos sinuosos caminhos profissionais, nada seríamos sem família e amigos.
Este foi um dia bom. Venham daí mais 365."
Nelson Nunes

Ao contrário do Nelson, sempre gostei de fazer anos. Confesso que houve alguns anos que custaram mais a receber, tal como outros de que não me queria despedir. Mas no dia D o entusiasmo apodera-se sempre de mim. 
Este ano saí da capicua dos 33 e recebi os 34 numa segunda-feira de muito trabalho. Várias horas, diferentes turmas, muitos mimos, sorrisos e um "obrigada" constante a sair dos meus lábios. Ouvi vários "Parabéns" cantados nas duas línguas que mais adoro pelas vozes dos que me enchem a alma de alegrias: os meus alunos. Fui surpreendida por eles, bem como por colegas, amigos e familiares. Exagerei na dose de doçura ingerida para estar em sintonia com os gestos dos que me rodeiam.
No fim do dia, a tentativa de não sucumbir ao cansaço feliz sem agradecer a todos. Impossível fazê-lo com palavras quando o coração transborda de sentimentos intensos e ricos. Não faz mal. A caminho estão 365 dias para lhes demonstrar como me são importantes. O primeiro passo está dado. Hoje. Aqui. Agora. Venham os próximos!

sábado, 18 de outubro de 2014

Amigo, maior que o pensamento...


"Quando sabemos com exatidão que fizemos um amigo? Um amigo não se faz, acontece e depois conserva-se. Nalguns casos em águas de bacalhau, noutros em banho-maria e noutros ainda em formol, dependendo do grau de amizade ou se a amizade estiver em vias de extinção. Se for axioma, amigo é como amor em construção (perpétua). Se for haiku (poeminha japonês) então dá "amigo, melhor coisa do mundo". Na linguagem da alta matemática: amigo + amor = mundo."
Tiago Salazar in Crónica da Selva

Conheço pessoas cheias de qualidades e com apenas um defeito. Não gosto delas. Conheço outras que estão cheias de defeitos e têm quase só uma qualidade: um coração do tamanho do Universo. Gosto delas e são minhas amigas. Não se compreende a alquimia da Amizade. Nem se precisa de a compreender.
Tenho amigos que falam comigo todos os dias. Tenho outros que me ignoram em muitos dias. Posso dizer que gosto mais dos segundos, embora gostasse que fossem como os primeiros. Tenho amigos que me magoaram apenas uma vez e nunca mais os perdoei. Tenho amigos que me magoaram como pensei que ninguém fosse capaz de o fazer e não consegui deixar de os perdoar. Tenho amigos que estão longe como se estivessem perto. Tenho amigos que estão perto como se estivessem longe. Vivem todos na geografia do meu coração.
Contam-se pelos dedos de uma mão os laços de amizade que já desfiz nesta vida. E não quero contar com os da outra mão os que desfarei no futuro. Não quero que os meus amigos se transformem em amores, mas quis que os meus amores se transformassem em amigos.
Vivo a Amizade como quero viver a Vida: da forma mais completa e intensa possível. E ao chegar a casa depois de "fazer" um amigo quero cantar sempre como o Sérgio Godinho: "Hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há"!

sábado, 11 de outubro de 2014

Solidão...


"A solidão, li algures, é como estar numa longa fila, à espera de chegar ao lugar da frente, onde nos prometem que vai acontecer algo de bom. Só que a fila nunca avança e está sempre a chegar gente que nos ultrapassa e o lugar da frente, aonde queremos chegar, vai ficando cada vez mais longe até que deixamos de acreditar que tenha alguma coisa para nos oferecer."
Richard Ford in Canadá

E às vezes é bom deixar de acreditar ou simplesmente parar de pensar no assunto… Até porque depois de uma semana de azáfama laboral, a que se segue um sábado inteiro de escritório a prolongar o trabalho da semana que findou, só se pode agradecer por este momento de solidão.
Trauteia-se o silêncio, inala-se a vela acesa no ar que o outono já fez esfriar e partilha-se umas palavras neste espaço que tem tanto de terapêutico como de pacificador… Sabemos que o momento não se poderá prolongar, que a vida social nos espera, que amanhã ainda há metade da lista de afazeres a cumprir e que a segunda-feira não tardará…
Mas, por estes minutos de paz, vale a pena ter sido ultrapassada em qualquer fila ou esquecida numas quantas esquinas da mente alheia… 

domingo, 5 de outubro de 2014

Outono...


"A tua vida ainda vai ter muitas coisas apaixonantes antes de morreres. Por isso, preocupa-te só com o presente. Não excluas nada e trata de ter sempre alguma coisa que não te importes de perder."
Richard Ford in Canadá

Pensa-se nisso enquanto se inala os cheiros de outono e se sente os últimos raios quentes do ano. Apesar de adorarmos esta estação, há alturas em que ela se apodera de nós e se quer acender cá dentro, irradiando alguma melancolia e despertando o medo por tudo o que podemos perder…
Combatemos essa sensação com as cores que despontam, com o cheiro das primeiras velas de baunilha acesas, com alguns minutos de paz antes de mais um evento social cheio de barulho, com o conforto de escrevermos neste nosso cantinho, onde temos voz, independentemente de alguém nos ler ou não.
Agarramos o presente e tentamos não ver as sombras que se podem abater sobre o futuro. Estamos conscientes de que o inverno poderá ser rigoroso e das tempestades a que teremos de resistir. Mas agora queremos que a alma serene e respire um pouco de domingo...

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Beleza


"Quando contemplamos a miríade de diamantes estelares que mancham o céu noturno ou quando paramos para nos deleitarmos com o pissitar melodioso do estorninho entre as folhas de um plátano ou com esta neblina fosca que pinta as ruas de Londres de cinzas de mistério, o espanto maravilhado que sentimos confirma-nos que o mundo é um lugar especial e que, enquanto elementos desse mundo, também nós somos especiais, abençoados pelo toque do divino como se nós próprios fossemos divinos. O universo que abraça estas maravilhas também nos abraça a nós, vem até nós e nós fundimo-nos nele como se todos fôssemos um. A beleza confirma-nos subtilmente que a vida tem um sentido. Podemos não saber que sentido é esse mas intuímos pela tangibilidade da beleza que ele existe, e é por isso, meu caro amigo, que você e eu e tantos outros nos sentimos tão tocados por tudo o que é belo. Quando procuramos a beleza, estamos na verdade a procurar o propósito da nossa própria existência."
José Rodrigues dos Santos

Não é preciso contemplar o céu à noite para termos contacto direto com a beleza. Ela visita-nos na simplicidade do quotidiano, se estivermos atentos, e nem precisamos de a procurar. Também não é necessário fazer grandes pausas na nossa existência para a homenagear sempre que ela se manifesta. Basta que nos sintamos gratos por cada instante em que ela cai sobre nós e nos envolve num véu que nos protege da monotonia e nos agasalha da fria fealdade.
Uma mensagem que chega ao telemóvel e que nos faz rir, um episódio daquela série que nos faz chorar, uma passagem do livro que nos arrepia a pele e que apetece vir aqui partilhar, todos estes são instantes em que o belo nos visita e nos ajuda a encontrar o tal sentido para a nossa existência.
Viver sem esses momentos seria impensável, tal como habitar uma casa vazia. Desfrutemos, pois, de todos e de cada um, com a mesma satisfação que sentimos quando nos estendemos num sofá confortável e oferecemos esse prazer aos músculos, porque, ao fazê-lo, estaremos a satisfazer a nossa alma e a torná-la ainda mais rica...

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Respostas...


- We don't read and write poetry because it's cute. We read and write poetry because we are members of the human race. And the human race is filled with passion. And medicine, law, business, engineering, these are noble pursuits and necessary to sustain life. But poetry, beauty, romance, love, these are what we stay alive for. To quote from Whitman, "O me! O life!… of the questions of these recurring; of the endless trains of the faithless… of cities filled with the foolish; what good amid these, O me, O life?" Answer. That you are here - that life exists, and identity; that the powerful play goes on and you may contribute a verse. That the powerful play goes on and you may contribute a verse. What will your verse be?
Professor Keating, "Dead Poets Society"

Têm-se sucedido neste cantinho os tributos póstumos a pessoas que admirei. Parece que o mundo anda a ficar cada vez mais vazio de mentes que marcaram a diferença. Precisei de uns dias para me mentalizar da partida do ator Robin Williams e só agora consigo vir aqui tentar verbalizar algumas respostas para perguntas que eu própria formulei.
Apesar de o admirar desde que comecei a ter noção do que era ser um bom ator, para mim ele será sempre o Captain, my Captain do "Clube dos Poetas Mortos". Da primeira vez que vi o filme (vez essa que já se elevou em expoente até um número que deixei de contabilizar), já sabia que queria ser professora, mas lembro-me de pensar que ser professor era uma missão ainda mais nobre do que julgara anteriormente. Para mim, uma das virtudes dos bons filmes e dos bons atores é fazerem-nos refletir sobre a nossa própria existência e contagiarem-nos de alguma forma com aquilo que estão a veicular. Robin Williams tinha esse efeito em mim. Fez-me pensar, chorar e rir muito. No fim, surpreendeu-me. Não pensei que o "verso" de resposta dele à pergunta de Whitman fosse o que ele escolheu. Mas até aí ele deixa food for thought.
Sobretudo, deixa-me a pensar que nada sabemos, por vezes, do que vai dentro da alma alheia. E que a vida pode assumir, num ápice, a forma de uma estrada que não contávamos percorrer. O importante é saber qual a nossa bússola, onde está o nosso norte e que rumo consciente pretendemos dar aos nossos passos. Para que o nosso "verso" de resposta seja: 
- Estou aqui. Quero estar aqui. Sou eu. Sinto-me bem a sê-lo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Sofrimento...


"Bem, menina, pode fazer o que quiser com o seu sofrimento. Ele pertence-lhe. Mas vou dizer-lhe o que faço com o meu. Agarro-o pelos cabelos, atiro-o ao chão e esmago-o debaixo do salto da minha bota. Sugiro que aprenda a fazer a mesma coisa."
Elizabeth Gilbert

É o que tenho tentado fazer com o passar dos anos… Mas, depois de esmigalhar esse sofrimento, apanho-o do chão e aperto-o nas mãos como se de um punhado de areia se tratasse. Espremo-o até que todos os grãos de tristeza, de amargura ou de injustiça se escapem por entre os meus dedos. Há sempre uns quantos que sobram, na concha formada pela palma da minha mão. Sei que esses são os motivos que me fizeram sofrer e não preciso de os olhar de perto para saber que são o que resta dos momentos que estão associados às pessoas que mais amei ou amo. Não lamento essas experiências nem posso querer mal àqueles que entraram no meu coração porque, por norma, já não saem mais dele. Resta-me a certeza de que, apesar de não terem sido eternos, foram intensamente duradouros enquanto existiram. E isso basta-me para soprar para longe o que resta do pó do meu sofrimento e lavar as mãos para receber a próxima dose de areal para peneirar...

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Feridas...


"Dizem que o tempo sara todas as feridas. Talvez seja verdade. Mas há feridas que parecem não sarar. Sangram, vertem pus, voltam a sangrar, surpreendem-nos a magoar a alma quando esta já deveria estar habituada e imune a tanta dor. É certo que, às vezes, essas feridas acalmam, como as marés que recolhem a água e recuam para o mar alto; mas, tal como as marés, regressam depois, revigoradas, pujantes, invadindo de novo a praia e fazendo sentir o fulgor da sua presença, o ímpeto do seu regresso."
José Rodrigues dos Santos

Há feridas de dimensão inimaginável… Só de as vermos nos outros elas doem-nos de forma quase insuportável. Queremos ajudar e vasculhamos o nosso íntimo, em busca do que poderíamos tirar da caixa de primeiros socorros que carregamos na alma, mas cedo nos apercebemos de que nada do que possamos fazer ou dizer aliviará tamanho sofrimento.
Lembramo-nos de quando fomos nós a sofrer e a tal brecha de dor reabre-se. Choramos pelos que estão magoados agora e pelas nossas próprias mágoas que o tempo apenas varreu para debaixo da tapeçaria da nossa existência. Sempre que procedemos a arrumações cá dentro, tentando guardar novas experiências, os tapetes movem-se e elas ressurgem… Paramos para as contemplar, como se as tivéssemos esquecido, como se já não soubéssemos os motivos que as provocaram...
À tona do nosso olhar recebemos, não só algumas lágrimas passadas, mas também olhares, sorrisos, memórias, instantâneos de felicidade que também já arquiváramos. Agradecemos? Claro, sempre… Porque tudo o que nos fez sofrer começou por nos fazer sorrir… É só isto que temos para passar como testemunho aos que agora sofrem. Sabemos que não basta, mas nada alguma vez será suficiente de novo...

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Amigos...


"…os meus amigos não são aqueles para quem fui tudo até ao momento em que passei a ser nada, não são aqueles que me abandonaram quando deixei de lhes ser útil, os meus amigos não são aqueles com quem partilhei segredos e que, anos mais tarde, quando nos cruzamos por acaso, nem sei se hei-de cumprimentá-los."
José Luís Peixoto

Complexa esta história da amizade… Nem sempre chega a história porque infelizmente, para alguns e com alguns, as páginas soltas de momentos vividos não se agrupam em capítulos nem se tornam obra… Mas desses não reza esta crónica…
Eis senão quando prosseguimos a caminhada, já sem acreditar muito em renovar a lista dos que nos querem bem, e somos surpreendidos por palavras e gestos que nos afagam a alma. Quedamo-nos primeiro em espanto e depois vamo-nos aproximando a medo, pé ante pé, para não acordar memórias de más experiências anteriores. Damos por nós a fazer isso enquanto sorrimos muito ou rimos até, pelo que nos é dado a conhecer do outro. E não queremos travar o sorriso nem silenciar a gargalhada porque eles rejuvenescem o nosso espírito.
Chegamos ao outro lado e sentamo-nos. Recostamo-nos. Há conforto, cumplicidade, alegria, partilha, confiança. Tudo ingredientes indispensáveis a uma receita de amizade verdadeira. Arquivamos as dúvidas, o receio de voltar a não ser "para a vida" que se ativa quase automaticamente quando pensamos nos que já nos deixaram pôr a mesa e ficar a comer sozinhos…
Sentimos e sabemos que desta vez é diferente e que podemos estar perante alguém que passará a fazer parte da elite dos que escolhemos para tatuar na pele da alma. Brindamos e deixamo-nos ficar a saborear, não sem antes pararmos para agradecer (várias vezes!) ao Universo por ainda apresentar no seu cardápio Amizades assim...

domingo, 20 de julho de 2014

Carpe diem...


"Resta quanto tempo? Não sei. O relógio da vida não tem ponteiros. Só se ouve o tique-taque... Só posso dizer Carpe Diem, colha o dia como um morango vermelho que cresce à beira do abismo. É o que tento fazer." 
Rubem Alves

Ontem o mundo da pedagogia ficou mais pobre com a morte deste homem que contagiava tudo e todos com a sua escrita sobre educação. Lembro-me de o ter descoberto durante a licenciatura, enquanto percorria a minha senda para me tornar professora. Fiquei positivamente viciada nos seus livros, tendo-os comprado e devorado quase todos, embora o Português do Brasil sempre me tivesse feito "espécie".
O que me falou mais alto na sua escrita foi a voz do coração que usava para expressar a entrega ao ato de ensinar (e de aprender em simultâneo). Fui acreditando que era mesmo possível embarcar nesta profissão por vocação e continuar a exercê-la como tal.
Depois de quase doze anos de exercício, não nego que há alturas em que o cansaço me quer vencer, a pilha de trabalho que me espera atormenta o meu olhar e a paciência chega a falhar perante a adolescência mais peculiar de alguns alunos. Mas continuo firme na paixão que me levou a querer exercer esta nobre missão e, nesses momentos, consulto a prateleira da minha estante dedicada à pedagogia, onde vivem os livros deste sábio amante do mundo do ensino
Obrigada, Rubem Alves, porque as tuas palavras foram tantas vezes os "morangos vermelhos" que colhi à beira do abismo. Olha por nós, professores, do alto da tua sensatez eterna e inspira-nos a continuar...

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Sou o que não sou...


"Não sei a mulher que sou mas sei a mulher que não sou. Não sou a mulher que se esconde nos tachos, a mulher que se cala nas horas, que se entrega ao embuste da segurança, à fraude suportável de ver passar o tempo. Não. Não sou. Não sou a mulher do fado e das lágrimas, a mulher do enfado e das rotinas, dos sonhos que se arrastam pelas esquinas. Não. Não sou. Não sou mulher de sorrisos quando existe a gargalhada, de aldeias quando existe o mundo. Não sou nem um milímetro menos do que aquilo que posso ser, e se um dia cair foi porque tentei saltar e não porque preferi aceitar."
Pedro Chagas Freitas

Gosto de não saber que mulher sou. Porque essa é uma incógnita que me permitirá passar o resto da vida a descobri-lo…
Não gosto de tachos nem de os encher para cozinhar, mas gosto de boa comida e de ter encontrado para mim própria, sem ajuda e com muita persistência e força de vontade, o equilíbrio no que posso comer e quando. Gosto de me compensar pelo esforço e de saborear um bom prato ou uma boa sobremesa. Acredito que, tal como em tudo na vida, o que não se pode fazer sempre ganha cambiantes ainda mais deliciosos de sabor.
É-me difícil calar-me nas horas, mas também preciso de me silenciar por vezes. Gosto de me sentir segura, mas não troco a minha dose de loucura por um porto só. Cansei-me de abrigos quando percebi que quase todos acabavam por me deixar a descoberto mais cedo ou mais tarde. Ver passar o tempo cansa-me, por isso ignoro os relógios e afundo-me nos livros, esquecendo-me de que a areia cai na ampulheta do existir.
Gosto de algum fado, deito algumas (por vezes muitas!) lágrimas, bocejo perante o enfado e tento encher de cor as minhas rotinas. Se sonho, tento dobrar as esquinas com que me deparo oniricamente.
Os meus sorrisos preferidos são os que terminam em gargalhadas. Gosto de aldeias para me sentar em paz e pensar no mundo. Gosto do mundo porque nele existem as minhas aldeias.
Meço os milímetros do que me é importante para conseguir a medida certa do que faz feliz. E nessa medição permanente tento encurtar a distância que me separa dos que me são queridos, embora nem sempre o consiga, porque eles se movem e se afastam com o movimento das placas tectónicas do existir.
Já caí muitas vezes, mas levantei-me, por vezes a custo, de outras num salto. Tropeço e tropeçarei muito mais em obstáculos que quero conseguir sempre transpor. Não prefiro aceitar nada do que não queira, embora saiba quando tenho de me calar e engolir sapos. Até eles começarem a coaxar demasiado cá dentro e terem de ser mandados para longe.
Não sei o que sou, mas sei o que não sou e o que não quero ser.
Autopsicografia incompleta, mas plena de mim...

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Inspiração para a reta final...


Aproxima-se a reta final de mais um ano letivo e o cansaço já faz arrastar as últimas tarefas burocráticas… Adia-se a escrita do famigerado relatório de avaliação de desempenho docente e vai-se dando conta de outros mil e um pequenos afazeres que se foram acumulando e para os quais também não há muita energia… Sou professora de sala de aula, de aulas para preparar e dar, de alunos com quem partilhar e a quem sorrir (ou ralhar, quando se justifica!). Esta fase sem eles é necessária, até porque os ouvidos precisam de respirar uma certa serenidade, mas a verdade é que qualquer escola sem alunos parece quase um deserto. Estando neste estado de alma e neste cenário, recebi já há uns dias o texto que escolho partilhar, porque me fez sorrir com alma, agradecer aos que ainda dão algum valor a esta nobre missão que escolhi e inspirar-me para o último sprint

Os Professores

Achei muito tempo que ia ser professor. Tinha pensado em livros a vida inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não guardava dúvidas acerca da importância de ensinar. Lembrava-me de alguns professores como se fossem família ou amores proibidos. Tive uma professora tão bonita e simpática que me serviu de padrão de felicidade absoluta ao menos entre os meus treze e os quinze anos de idade.

A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria do mundo em que o mundo se tem vindo a tornar.

Nunca tive exatamente de ensinar ninguém. Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas clarividências ao cão que tenho há umas semanas. Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho. Quero muito que o Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras para que tenhamos uma vida melhor, mas não suporto a tristeza dele quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise. Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática, não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe.

Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os transformam em melhores versões. Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesse crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer que alguém os discutisse comigo.

Houve um dia, numa aula de história do sétimo ano, em que falamos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora, uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também, que eram os olhos que induziam a sensação de vida às figuras de pedra. A senhora regozijou. Disse que eu estava muito certo. Iluminei-me todo, não por ter sido o mais rápido a descortinar aquela solução, mas porque tínhamos visto imagens das estátuas mais deslumbrantes do mundo e eu estava esmagado de beleza. Quando me elogiou a resposta, a minha professora contente apenas me premiou a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir maravilha que ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes. Profundamente felizes.

Talvez estas coisas só tenham uma importância nostálgica do tempo da meninice, mas é verdade que quando estive em Florença me doíam os olhos diante das estátuas que vira em reproduções no sétimo ano da escola. E o meu coração galopava como se estivesse a cumprir uma sedução antiga, um amor que começara muito antigamente, se não inteiramente criado por uma professora, sem dúvida que potenciado e acarinhado por uma professora. Todo o amor que nos oferecem ou potenciam é a mais preciosa dádiva possível.

Dá-me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é destruir a nossa própria casa. Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos, que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior do que comer apenas sopa todos os dias.

Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade. E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto.

As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se.

Valter Hugo Mãe


domingo, 13 de julho de 2014

Lixo...


Não suporto o cheiro a lixo... Sobretudo quando ele vem das pessoas...
Pessoas? Terão essa capa, mas no interior apenas oco resquício de humanidade. E mesmo esse é ignorado quando remexem na vida alheia em busca de um rasto de destruição.
Quando não o encontram, inventam-no e seguem-no, proclamando-o tão verdadeiro como se o tivessem descoberto. Divertem-se nesse jogo da apanhada e fazem dele uma maratona... Quando não a estão a correr, ocupam-se nos treinos para a disputar...
E eu? Eu não suporto o cheiro a lixo... Gosto do cheiro a bondade, a respeito, a privacidade. E vou colecionando as pessoas que cheiram assim. São cada vez mais raras e não as procuro. Encontro-as, de vez em quando, enquanto passeio pelos jardins da vida. Contemplo-as, fotografo-as com a objetiva da alma e guardo-as para sempre no álbum das melhores recordações de uma vida. É esse o álbum que quero ser apanhada a folhear no meu derradeiro dia...

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Wise Crayons...


"We could learn a lot from crayons: some are sharp; some are pretty; some are dull; others are bright; some even have weird names, but they have all learned to live together in the same box."

Lembrei-me desta sabedoria na semana passada, ao voltar a pôr os pés (e o corpo todo!) num transporte público. Sempre andei de autocarro enquanto estudava, desde o 5º ano até ao último da Universidade. Estou grata aos meus pais por não me terem tirado essa experiência de vida, uma vez que considero que ela me tornou uma pessoa bem mais paciente e tolerante.
Tais características são muito importantes, uma vez que a convivência diária com o Outro nem sempre constitui um desafio fácil. Apesar de termos de partilhar esta caixa que é a vida, fomos concebidos com diferentes cores, feitios, invólucros e até cheiros... O espaço que nos foi destinado tem de ser bem gerido para que não choquemos com os que nos rodeiam, sob pena de os amolgarmos ou até partirmos.
É pena que nem todos os lápis que coabitam os mesmos lugares connosco tenham conhecimento disto ou o lembrem na sua ação diária. É por isso que muitas vezes chegamos a casa no fim de mais um dia e temos de nos "lavar" das marcas de cores alheias que teimam em cravar-se em nós, ameaçando fazer desvanecer a que era genuinamente nossa...

domingo, 6 de julho de 2014

Dor...


"A dor é como o tecido: quanto mais forte é, mais valor tem."
John Green

Sou mulher de letras e de livros... Mas nem só de clássicos vive a minha leitura.
Há umas semanas agarrei no livro A Culpa é das Estrelas na livraria e só o larguei quando acabei de o ler dois dias depois... Tinha pegado nele por curiosidade, porque queria ver o filme, mas primeiro conhecer a obra que lhe dera origem. Não me envergonho de dizer que chorei.
Ontem fui ver o filme e voltei a chorar. Chamem-me lamechas, se quiserem.
Chorei pelos amigos que perdi devido à Doença. Chorei pelos amigos que lutaram contra a Doença. Chorei pelos amigos que ainda lutam contra a Doença todos os dias. Chorei por aqueles que vão lutar contra a Doença e ainda não o sabem.
Mas, se a culpa é das estrelas, eu agradeço a esses corpos brilhantes por terem permitido que eu conhecesse e conheça todas essas pessoas, porque sem elas a minha vida teria sido bem menos infinita de possibilidades felizes...

terça-feira, 1 de julho de 2014

Recordar é viver...


"You can love someone so much, but you can never love people as much as you can miss them."
John Green

Ontem fez mais um ano que partiste... Já lá vão cinco, mas, ano após ano, acontece esta viagem nostálgica a uma infância em que me encheste de carinho e ensinaste que havia sempre mais energia dentro de nós para dar ao mundo e que sorrir nunca era demais (e falar também não...).
Quando dou por mim a tagarelar sem descanso, lembro-me de ti e sorrio... E sei que esse sorriso contém a gratidão, o respeito e a homenagem de quem me passou o testemunho da vida em primeira mão...

domingo, 22 de junho de 2014

Espinhos...


Há umas semanas deparei-me, a meio do livro que andava a ler, com esta história que já conhecia:

"Durante a era glacial, muitos animais morriam por causa do frio. Então, os porcos-espinhos resolveram juntar-se em grupo, pois assim aqueciam-se e protegiam-se uns aos outros.
Mas os espinhos feriam os companheiros mais próximos - justamente os que forneciam mais calor. Por causa disso, eles voltaram a afastar-se.
E começaram de novo a morrer congelados.
Então viram-se obrigados a fazer uma escolha: ou eram dizimados da face da Terra ou aceitavam os espinhos do próximo.
Com sabedoria, decidiram unir-se mais uma vez. Aprenderam a conviver com as pequenas feridas que uma relação muito próxima pode causar, uma vez que o mais importante era o calor do outro. E assim sobreviveram."

Dei por mim a pensar como grande parte da nossa existência decorre exatamente na análise da dicotomia dor/calor humano. Sabemos que, quando nos aproximamos das pessoas, isso faz com que criemos laços que acabarão necessariamente por nos magoar de uma maneira ou de outra, porque as relações humanas nunca trazem só coisas boas. Aqueles de nós que já saíram muito magoados de relacionamentos anteriores deixam, por vezes, prevalecer esse prato da balança e refugiam-se em si próprios, fugindo ao contacto com o outro. Mas o frio acaba por chegar e o calor que os outros emanam consegue ser bastante persuasivo. Decidimos desafiar a dor, preparando-nos para as eventuais feridas e enroscamo-nos no aconchego de quem nos pode aquecer a alma...

terça-feira, 10 de junho de 2014

Tributo...


"I've learned that people will forget what you said, people will forget what you did, but people will never forget how you made them feel."
Maya Angelou

Com a azáfama de fim de ano letivo e o tempo a ser ainda mais escasso, não consegui vir aqui escrever algumas palavras sobre a mulher que nos deixou este pensamento e esta certeza. Faço-o agora, até porque as homenagens às pessoas intemporais não têm data nem hora marcada.
Conheci a sua obra na Universidade e as suas palavras encontraram eco dentro de mim, dando mais força aos meus próprios ideais. Longe de se cingirem ao clamor de uma afro-americana, os seus escritos veiculam o desejo de liberdade e de individualidade que deve existir dentro de cada um de nós. Quando o lemos nas palavras de outras pessoas, identificamo-nos, sentimo-nos legitimados e ficamos mais fortes.
Por isso, Maya, o meu "caged bird" ficou mais livre ao ler-te e permitiu-se voar com mais convicção pelos céus da vida, trazendo-me onde estou hoje. Obrigada por não me permitires esquecer tudo o que me fizeste sentir...

domingo, 25 de maio de 2014

Sentimentos...


"Feelings are like children. You don't want them driving the car, but you don't want to stuff them in the trunk either."
"Thanks for Sharing" (movie)

É por isso que os passeamos pela vida. Sabemos que eles podem co-pilotar a viagem, se deixarmos, ou apenas sentar-se no lugar do passageiro, calados, se lhes pedirmos. O problema é decidir o que queremos ou o que é melhor para nós e para os outros.

Percorremos alguns troços do caminho sozinhos e habituamo-nos à sua ausência. Por outro lado, alturas há em que gostaríamos de companhia para comentar a paisagem, parar e beber um café ou simplesmente cantarolar connosco a música que passa na rádio.

Vamos conduzindo nesta nossa passagem pela existência e sabemos que essa escolha nem sempre depende de nós, até porque os sentimentos nem sempre surgem. Quando aparecem, é tempo de os analisar e, o mais conscientemente possível, decidir que papel lhes vamos atribuir. Até porque:

"Feelings are much like waves. We can't stop them from coming, but we can choose which ones to surf."


domingo, 18 de maio de 2014

Laços...


"Crie laços com as pessoas que lhe fazem bem, que lhe parecem verdadeiras. Desfaça os nós que o prendem às que foram significativas na sua vida, mas que, infelizmente, por vontade própria, deixaram de o ser. Os nós apertam, os laços enfeitam."

Entre ler isto, repeti-lo para mim própria e fazê-lo, de facto, vai uma grande distância. Mas não devia. Afinal, está provado que há sempre pessoas novas que nos fazem bem, que são genuínas e que estão dispostas a aceitar os laços que lhes estendemos.
Depois há as outras, as que conhecemos num passado mais ou menos longínquo, e que se distanciaram de nós, por vontade própria, escavando um fosso que desde então tentamos transpor. Não temos coragem de desatar o nó que já só nos aperta...
Será que, se o soltarmos um pouco, ele poderá voltar a transformar-se em laço e enfeitar-nos a alma com renovados sorrisos?

domingo, 11 de maio de 2014

Golpes de mestra...


"Vida é professora  que dita rápido. Não espera. Pode sacudir o braço já adormecido, pode pedir para ir mais devagar. Ela não ouve, não está nem aí. Ela imprime o ritmo. Acompanhe quem puder."
Francisco Azevedo

Às vezes é preciso parar de tentar acompanhar. Nem que seja para olhar a vista pela janela, descobrir uma nova flor e descer do escritório para a ir cheirar... Enquanto inspiramos esses minutos de ar puro, também a vida nos vem fazer companhia, esquecendo, por instantes, a sua faceta de mestra impiedosa. Sentimos o seu carinho envolver-nos nos raios de sol que começam a aquecer cada vez mais e temos a certeza de que não é preciso andar sempre a correr para viver tudo e bem. Descobrimos ainda que nos momentos em que precisávamos de um abraço e não está ninguém por perto, basta estarmos atentos porque a Natureza estenderá os seus braços generosos e aconchegar-nos-á num amplexo profundo e vibrante.

domingo, 4 de maio de 2014

Amigos e ocasiões...


"Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda, pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se, esquece-se e não se fala mais nisso.
A decadência da amizade entre nós deve-se à instrumentalização que tem vindo a sofrer. Transformou-se numa espécie de maçonaria, uma central de cunhas, palavrinhas, cumplicidades e compadrios. É por isso que as amizades se fazem e desfazem como se fossem laços políticos ou comerciais. Se alguém «falta» ou «não corresponde», se não cumpre as obrigações contratuais, é logo condenado como «mau» amigo e sumariamente proscrito. Está tudo doido. Só uma miséria destas obriga a dizer o óbvio: os amigos são as pessoas de que nós gostamos e com quem estamos de vez em quando. Podemos nem sequer dar-nos muito, ou bem, com elas. Ou gostar mais delas do que elas de nós. Não interessa. A amizade é um gosto egoísta, ou inevitabilidade, o caminho de um coração em roda-livre.
Os amigos têm de ser inúteis. Isto é, bastarem só por existir e, maravilhosamente, sobrarem-nos na alma só por quem e como são. O porquê, o onde e o quando não interessam. A amizade não tem ponto de partida, nem percurso, nem objetivo. É impossível lembrarmo-nos de como é que nos tornamos amigos de alguém ou pensarmos no futuro que vamos ter.
A glória da amizade é ser apenas presente. É por isso que dura para sempre; porque não contém expetativas nem planos nem ansiedade."
Miguel Esteves Cardoso

Haverá certamente muitos tratados sobre a amizade. Já terei partilhado aqui diversas opiniões alheias sobre ela e várias ideias próprias sobre o assunto. Mas hoje escolhi estas. Porque nem sempre tudo é tão linear ou fácil de aceitar... Porque os amigos nos fazem falta quando gostaríamos de os ter mais perto... Porque nem sempre estão à distância de uma mensagem de telemóvel e nos sentimos mais sozinhos ou postos de parte ao recebermos o seu silêncio de volta... Mas depois reencontramo-nos com alguns após tanto tempo de lonjura e de Atlântico entre nós e confirmamos que tudo volta ao lugar certo e as conversas fluem e os sentimentos confluem para se encontrarem no centro de uma mesa de café, onde servimos este sentimento que continuará a ser, para mim, o mais puro e valioso do mundo...

domingo, 27 de abril de 2014

Requiem para mais um poeta...


"a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nós perdidos no meio"

Vasco Graça Moura

E enquanto os poetas se vão, chegado o seu poente, fiquemos nós num enleio feliz por ainda termos vida. E antes que a sombra nos envolva, não nos coibamos de a escrever nas linhas que nos são dadas. Porque mesmo quando nos perdermos numa delas, sabemos que a próxima nos aguarda, para melhorarmos a caligrafia ou as rimas, até esse instante derradeiro em que a borracha do destino tenha de apagar os versos do nosso respirar...

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Liberdade(s)...


"The secret of happiness is freedom, the secret of freedom is courage."
Carrie Jones

O segredo de um dia feliz pode começar com o despertador a não tocar... Com o abrir a janela do quarto e deixar a primavera (que tem estado atrasada!) entrar. Saber que se tem um almoço de convívio com amigos, que o dia vai ser preenchido com outras coisas que não o trabalho (de vez em quando é tão importante saber isso!), que nos podemos arranjar com mais vagar, vestindo-nos de esperança, pôr o café a fazer e deixar o seu aroma enfeitar a cozinha, conduzir com tranquilidade ao som de boa música e vendo os raios de sol dançar nas árvores que começam a esverdear. E, quando se pode chegar ao computador e escrever sobre isto tudo com um sorriso na alma, sabemos que, de facto, um dos segredos para a Felicidade é ser livre, ter consciência dessa liberdade, e tirar o melhor partido dela todos os dias de todas as nossas vidas...

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Anti-despedida...


"Ele ainda era demasiado jovem para saber que a memória do coração elimina as coisas más e amplia as coisas boas, e que graças a esse artifício conseguimos suportar o peso do passado."
Gabriel García Márquez

Esta foi só uma das muitas lições que aprendi com ele. O Amor nos Tempos de Cólera ou Cem Anos de Solidão equivalem, na minha existência, a verdadeiros compêndios de pedagogia emocional. Quem escreve assim, de uma forma tão plena de humanidade, não pode morrer.
Recuso-me a escrever isto em jeito de epitáfio. Porque sei que, embora personificado nas suas obras, Márquez continuará a fazer-me companhia, na prateleira da estante dos que mais me marcaram. E sei que, quando a memória do coração me doer, me recordarei de que, mais cedo ou mais tarde, ela acabará por eliminar essa mágoa, arranjando um novo motivo de encanto para ampliar.
Quanto ao nosso (não é ele um pouco de todos nós?) Gabo, amplio hoje a sua importância na minha vida de leitora, de professora e de mulher, sabendo que não a exagero. Homens assim autografam a epiderme da nossa sensibilidade e essa marca nunca mais nos larga, por muito que a vida nos lave de lágrimas. Até sempre que o meu braço se estenda para te folhear só mais um pouco...

terça-feira, 15 de abril de 2014

Noite estrelada...


"Ainda mais acolhedora do que o dia, a noite apaga todas as contradições. E, coberta por um manto de estrelas dum resplendor de festa, a alma, em vez de adormecer como de costume, sonha."
Miguel Torga

E nesses sonhos não se perde, ao invés do que se poderia pensar... Encontra-se, isso sim, adiando-se e à concretização dos mesmos para uma rota de voo que não importa se tardará ou não com o seu chegar... Sonhar não vem com fita métrica, nem com conta-quilómetros. Arrasta como astrolábio a esperança e nunca mais a larga, seguindo-a até ao infinito, se for o caso...

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Boa Vida...


"um bom dia mais outro bom dia igual a uma boa vida."
Isabel Allende

Exímia conhecedora das coisas da vida e da natureza humana, Allende prescreve-nos esta receita que poderá ser encarada como uma fórmula para a felicidade. Excluindo as grandes quimeras ou os sonhos de um Euromilhões chorudo e teletransportado para as nossas contas bancárias, eis-nos perante o segredo se quisermos ter uma existência plena de motivos para sorrir com alma.
Na torrente inquieta dos dias que se vão sucedendo, esquecemo-nos inúmeras vezes desta simplicidade desarmante. Quando paramos para respirar e nos refugiamos num microclima emocional quase só nosso, essas pequenas gotas de frugalidade salpicam-nos e refrescam-nos o viver.
Parece que se nos afinam os sentidos para mais facilmente captarmos sons, cores, texturas, cheiros e paladares. Deixamo-nos enebriar por tudo isso e sabemos que se, nesse instante, nos perguntassem se a vida era boa, responderíamos de pronto:
- Infinitamente boa!