"Não sei a mulher que sou mas sei a mulher que não sou. Não sou a mulher que se esconde nos tachos, a mulher que se cala nas horas, que se entrega ao embuste da segurança, à fraude suportável de ver passar o tempo. Não. Não sou. Não sou a mulher do fado e das lágrimas, a mulher do enfado e das rotinas, dos sonhos que se arrastam pelas esquinas. Não. Não sou. Não sou mulher de sorrisos quando existe a gargalhada, de aldeias quando existe o mundo. Não sou nem um milímetro menos do que aquilo que posso ser, e se um dia cair foi porque tentei saltar e não porque preferi aceitar."
Pedro Chagas Freitas
Gosto de não saber que mulher sou. Porque essa é uma incógnita que me permitirá passar o resto da vida a descobri-lo…
Não gosto de tachos nem de os encher para cozinhar, mas gosto de boa comida e de ter encontrado para mim própria, sem ajuda e com muita persistência e força de vontade, o equilíbrio no que posso comer e quando. Gosto de me compensar pelo esforço e de saborear um bom prato ou uma boa sobremesa. Acredito que, tal como em tudo na vida, o que não se pode fazer sempre ganha cambiantes ainda mais deliciosos de sabor.
É-me difícil calar-me nas horas, mas também preciso de me silenciar por vezes. Gosto de me sentir segura, mas não troco a minha dose de loucura por um porto só. Cansei-me de abrigos quando percebi que quase todos acabavam por me deixar a descoberto mais cedo ou mais tarde. Ver passar o tempo cansa-me, por isso ignoro os relógios e afundo-me nos livros, esquecendo-me de que a areia cai na ampulheta do existir.
Gosto de algum fado, deito algumas (por vezes muitas!) lágrimas, bocejo perante o enfado e tento encher de cor as minhas rotinas. Se sonho, tento dobrar as esquinas com que me deparo oniricamente.
Os meus sorrisos preferidos são os que terminam em gargalhadas. Gosto de aldeias para me sentar em paz e pensar no mundo. Gosto do mundo porque nele existem as minhas aldeias.
Meço os milímetros do que me é importante para conseguir a medida certa do que faz feliz. E nessa medição permanente tento encurtar a distância que me separa dos que me são queridos, embora nem sempre o consiga, porque eles se movem e se afastam com o movimento das placas tectónicas do existir.
Já caí muitas vezes, mas levantei-me, por vezes a custo, de outras num salto. Tropeço e tropeçarei muito mais em obstáculos que quero conseguir sempre transpor. Não prefiro aceitar nada do que não queira, embora saiba quando tenho de me calar e engolir sapos. Até eles começarem a coaxar demasiado cá dentro e terem de ser mandados para longe.
Não sei o que sou, mas sei o que não sou e o que não quero ser.
Autopsicografia incompleta, mas plena de mim...
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