Fotografia by Né - Ribeira dos Caldeirões, Achada - Nordeste São Miguel Açores

domingo, 27 de abril de 2014

Requiem para mais um poeta...


"a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nós perdidos no meio"

Vasco Graça Moura

E enquanto os poetas se vão, chegado o seu poente, fiquemos nós num enleio feliz por ainda termos vida. E antes que a sombra nos envolva, não nos coibamos de a escrever nas linhas que nos são dadas. Porque mesmo quando nos perdermos numa delas, sabemos que a próxima nos aguarda, para melhorarmos a caligrafia ou as rimas, até esse instante derradeiro em que a borracha do destino tenha de apagar os versos do nosso respirar...

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Liberdade(s)...


"The secret of happiness is freedom, the secret of freedom is courage."
Carrie Jones

O segredo de um dia feliz pode começar com o despertador a não tocar... Com o abrir a janela do quarto e deixar a primavera (que tem estado atrasada!) entrar. Saber que se tem um almoço de convívio com amigos, que o dia vai ser preenchido com outras coisas que não o trabalho (de vez em quando é tão importante saber isso!), que nos podemos arranjar com mais vagar, vestindo-nos de esperança, pôr o café a fazer e deixar o seu aroma enfeitar a cozinha, conduzir com tranquilidade ao som de boa música e vendo os raios de sol dançar nas árvores que começam a esverdear. E, quando se pode chegar ao computador e escrever sobre isto tudo com um sorriso na alma, sabemos que, de facto, um dos segredos para a Felicidade é ser livre, ter consciência dessa liberdade, e tirar o melhor partido dela todos os dias de todas as nossas vidas...

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Anti-despedida...


"Ele ainda era demasiado jovem para saber que a memória do coração elimina as coisas más e amplia as coisas boas, e que graças a esse artifício conseguimos suportar o peso do passado."
Gabriel García Márquez

Esta foi só uma das muitas lições que aprendi com ele. O Amor nos Tempos de Cólera ou Cem Anos de Solidão equivalem, na minha existência, a verdadeiros compêndios de pedagogia emocional. Quem escreve assim, de uma forma tão plena de humanidade, não pode morrer.
Recuso-me a escrever isto em jeito de epitáfio. Porque sei que, embora personificado nas suas obras, Márquez continuará a fazer-me companhia, na prateleira da estante dos que mais me marcaram. E sei que, quando a memória do coração me doer, me recordarei de que, mais cedo ou mais tarde, ela acabará por eliminar essa mágoa, arranjando um novo motivo de encanto para ampliar.
Quanto ao nosso (não é ele um pouco de todos nós?) Gabo, amplio hoje a sua importância na minha vida de leitora, de professora e de mulher, sabendo que não a exagero. Homens assim autografam a epiderme da nossa sensibilidade e essa marca nunca mais nos larga, por muito que a vida nos lave de lágrimas. Até sempre que o meu braço se estenda para te folhear só mais um pouco...

terça-feira, 15 de abril de 2014

Noite estrelada...


"Ainda mais acolhedora do que o dia, a noite apaga todas as contradições. E, coberta por um manto de estrelas dum resplendor de festa, a alma, em vez de adormecer como de costume, sonha."
Miguel Torga

E nesses sonhos não se perde, ao invés do que se poderia pensar... Encontra-se, isso sim, adiando-se e à concretização dos mesmos para uma rota de voo que não importa se tardará ou não com o seu chegar... Sonhar não vem com fita métrica, nem com conta-quilómetros. Arrasta como astrolábio a esperança e nunca mais a larga, seguindo-a até ao infinito, se for o caso...

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Boa Vida...


"um bom dia mais outro bom dia igual a uma boa vida."
Isabel Allende

Exímia conhecedora das coisas da vida e da natureza humana, Allende prescreve-nos esta receita que poderá ser encarada como uma fórmula para a felicidade. Excluindo as grandes quimeras ou os sonhos de um Euromilhões chorudo e teletransportado para as nossas contas bancárias, eis-nos perante o segredo se quisermos ter uma existência plena de motivos para sorrir com alma.
Na torrente inquieta dos dias que se vão sucedendo, esquecemo-nos inúmeras vezes desta simplicidade desarmante. Quando paramos para respirar e nos refugiamos num microclima emocional quase só nosso, essas pequenas gotas de frugalidade salpicam-nos e refrescam-nos o viver.
Parece que se nos afinam os sentidos para mais facilmente captarmos sons, cores, texturas, cheiros e paladares. Deixamo-nos enebriar por tudo isso e sabemos que se, nesse instante, nos perguntassem se a vida era boa, responderíamos de pronto:
- Infinitamente boa!

sábado, 12 de abril de 2014

Roubos e Devoluções


"Há pessoas que nos roubam... Há pessoas que nos devolvem..."
Fábio de Melo

As que nos roubam nem sempre o fazem propositadamente. Sugam-nos a energia por exigirem de nós uma presença e uma ação constantes. Esquecem-se de que as nossas forças são finitas e invadem a nossa cúpula de descanso com os seus pedidos, com os seus problemas, com as suas exigências. Roubam o tempo que destináramos à nossa serenidade, à nossa paz, ao nosso isolamento necessário.
Felizmente há as pessoas que nos devolvem tudo o que as outras nos tiram. São mais raras, mais silenciosas, mais especiais. Quando temos a sorte de as encontrar, sentimos que são diferentes. Aproximam-se de nós, com pezinhos de lã e conquistam o seu lugar. Não pedem, muito menos exigem, nunca importunam. Quando muito sugerem e, sobretudo, dão(-se), devolvendo-nos a crença na humanidade, na cumplicidade, no respeito mútuo, nos relacionamentos sólidos, serenos e duradouros...

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Efemeridade...


Quando a madrugada nos acorda às 2:41 com o abanão de um sismo, soletramos essa palavra (efemeridade) com o medo que se apodera de nós. No período de segundos que dura o tremor, pensamos na vida, nos que nos são queridos e lamentamos que tudo possa acabar ali. Não temos tempo para focar o pensamento em situações concretas nem em caras, mas o que mais desejamos é que este pedaço de existir que nos foi concedido se estique como um elástico e não tenha chegado ao fim.
Passado o susto, voltamos à acalmia, mas sabemos que o abalo maior é sempre no nosso íntimo. Desperta-se em nós a consciência da nossa precariedade e os nossos sentidos ficam mais alerta. Quando amanhece, tudo parece mais belo e mais cheio de valor: o chilrear dos pássaros que nos acorda fica menos estridente e mais melódico; o descafeinado matinal, que teve de substituir o café nos últimos tempos por vicissitudes do corpo, parece cheirar melhor e ter mais sabor; não lamentamos a Becel que barra a torrada em vez da manteiga que preferíamos; enamoramo-nos de um dia que, embora simples e calmo, tem tantos segundos para encher de vida...
Sabemos que, até ao próximo susto, o quotidiano nos voltará a anestesiar e a rotina raptar-nos-á, entorpecendo-nos os sentidos e o sentir... Fica a mensagem de José Luís Peixoto para nos manter acordados:

"A vida é tão efémera. A saúde é tão efémera. Estamos aqui, em forma, mais ou menos contentes, a ler um livro, é tão transitório. A ler um livro, imagine-se. As forças da doença, se quiserem, subjugam-nos e aniquilam-nos em menos de um instante."

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Paz...


"A paz não se troca por nada porque inclui tudo o que é necessário."
José Luís Peixoto

Hoje desencontrei-me do despertador, desmarquei-me da rotina e demorei-me no pijama... Ao abrir a janela de mais uma manhã, inalei uns tímidos raios de sol e escolhi a paz como toilette para o dia. Namorei o Tempo e pedi-lhe que permanecesse pachorrento junto de mim...
Ele assim fez e tomou um pequeno-almoço mais completo e descansado comigo. Sentou-se junto de mim no meu sofá preferido e fez-me companhia enquanto acabava de ler o livro deposto nas últimas semanas por força da azáfama laboral. Convidou-me para almoçar num lugar novo e saboreou comigo os prazeres de não ter de comer apressadamente.
E eu envaideci-me por me poder dar ao luxo de desfilar esta paz que por vezes visto e me assenta tão bem, fazendo-me sentir liberta e apetrechando-me de força e confiança para os outros tempos, aqueles de que não quero falar durante uns dias...

domingo, 6 de abril de 2014

A Palavra...


"Palavra mete medo, assusta. Toda palavra. A mais inofensiva, súbito, causa estrago. Uma combinação equivocada, um tom infeliz, uma vírgula precipitada ou omissa podem significar o desastre. Palavra machuca, deixa marca. Palavra mata. Palavra deveria ficar guardada bem no fundo, no alto dos armários. Longe do alcance das crianças. E dos adultos. Palavra é arma. É preciso ter porte para usá-la."
in Arroz de Palma, de Francisco Azevedo

Sim, a Palavra pode ser tudo isto. Se mal arremessada, ferirá de morte a nossa alma. Mas também é ponte que nos une ao outro; escada que, degrau após degrau, vamos subindo para mais perto dele chegar; tapeçaria que vamos entrelaçando com fios de várias cores e com que tornamos a vida mais aconchegante e quente...
Sem a Palavra seríamos órfãos de tanta partilha, de tanta aproximação, de tantas relações... Talvez habitássemos num buraco negro a meio de um cosmos desolado, frio e sem sentido. É por isso que dou graças pela sua existência falada e escrita. Com palavras sou Eu e me escrevo todos os dias, umas vezes soletrando-me a medo, outras discorrendo em discursos determinados. Compilo páginas neste existir que me foi dado e convido novas personagens para nelas figurarem.
Chegada ao meu Epílogo, gostaria de olhar para trás e pensar que nada terá ficado por dizer... Trata-se de uma ilusão, bem sei. Mas também tenho a certeza de que não quero arrumar as minhas palavras no fundo nem no alto do armário da minha alma. Porque, se o fizesse, estaria a mutilar uma parte de mim e a Vida foi feita para vivermos de corpo e alma inteiros...