Fotografia by Né - Ribeira dos Caldeirões, Achada - Nordeste São Miguel Açores

domingo, 26 de outubro de 2014

Luz e silêncio


"Um dia virá
em que a minha porta
permanecerá fechada
em que não atenderei o telefone
em que não perguntarei
se querem comer alguma coisa
em que não recomendarei
que levem os casacos
porque a noite se adivinha fresca.

Só nos meus versos poderão encontrar
a minha promessa de amor eterno.

Não chorem; eu não morri
apenas me embriaguei
de luz e de silêncio."

Rosa Lobato Faria

Tem sido um fim de semana outonal cheio de luz. Começou com um dia preenchido de momentos sociais, continuou com uma manhã de afazeres relacionados com o trabalho (que professor não se está já a ver no famoso frente a frente com as primeiras pilhas de testes?), mas agora vai entrar na fase da acalmia, do sossego, de algum descanso.
Não se quer que o telefone toque, deseja-se que ninguém nos bata à porta, pretende-se ficar a namorar uma tarde de paz, dourada através da janela, perfumada pelas velas que se vão acender, enriquecida pelo livro que vamos segurar ao colo...
Embriaguemo-nos de luz e de silêncio porque merecemos, porque precisamos, porque viver também é poder fazê-lo...

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Aniversários...


"Nunca gostei de passagens de ano nem de aniversários. Talvez tenha uma questão mal resolvida com os ritos de transição, mas tendo a deixar-me cair na melancolia sem qualquer razão que consiga descortinar. Ainda assim, sei que o dia seguinte tem os seus efeitos: enche-nos os pulmões com um ar renovado vindo sabe-se lá de onde e mostra-nos que a esperança e a confiança em nós próprios não são conceitos assim tão etéreos quanto isso.
Fazer anos é um estranho festejo de mais um conjunto de 365 dias durante os quais celebramos sucessos, carpimos fracassos e tememos imprevistos. Um aniversário é um lufa-lufa de agradecimentos e sorrisos, para aqui e para ali, é um ror de surpresas por nunca antes termos suspeitado que tínhamos uma importância relevante na vida desta ou daquela pessoa. Mas, acima de tudo, é um extenso momento de comunhão.
Cada minuto é passado com os outros, numa dádiva sem igual. Recarregamos as baterias para nos recordarmos que este indivíduo que cresceu existe, não para si mesmo, mas para se entregar a quem o reclama. As mensagens caem no telefone numa tempestade tão torrencial que se transforma numa esmagadora bonança não encomendada. São horas - horas, senhores! - a responder a mensagens disparadas de todas as direções, com um "obrigado" que já parece vazio por estar tão gasto. E depois os telefonemas, que mal nos deixam aproveitar o almoço com a família que não se via há meses. A família, essa, compadece-se com o toque já irritante de um telemóvel que não nos deixa sossegados. Nos entretantos, aproveita-se para lembrar ou descobrir histórias de infância. E daquela vez que começaste a ler sozinho aos quatro anos? E daquela vez que te espetaste de um banco abaixo e fizeste uma fratura exposta? E daquela vez…
E mais tarde, num breve momento de reflexão, damo-nos conta da idade. Caramba, a idade. Já são tantos anos: quase três décadas, raios todos me afundem! Ainda há meia dúzia de dias se brincava com os Legos e os Playmobil e agora os brinquedos são outros - mas o miúdo é o mesmo. Em retrospetiva, reparamos que mudamos muito, mas não mudamos assim tanto.
"Estás a ficar crescidinho", diz-me um amigo que tem estado por perto ao longo dos últimos vinte anos. E eu reconheço-lhe a verdade nas palavras, não porque agora tenha o aspeto insuspeito de um homem adulto, mas pelas ideias que trago debaixo do diminuto penteado. Quanto mais os anos avançam, melhor se compreendem os clichés que por aí andam.
Depois da injeção de força dada por todos os que nos circundam, damos por nós a chegar ao final do dia e a dizer a nós mesmos: "Ok, agora é contigo. Só contigo." Há até uma lágrima que, depois de nos marejar o olho direito, teima em cair face abaixo, apenas para nos recordar que nós, refugiados provindos dos sinuosos caminhos profissionais, nada seríamos sem família e amigos.
Este foi um dia bom. Venham daí mais 365."
Nelson Nunes

Ao contrário do Nelson, sempre gostei de fazer anos. Confesso que houve alguns anos que custaram mais a receber, tal como outros de que não me queria despedir. Mas no dia D o entusiasmo apodera-se sempre de mim. 
Este ano saí da capicua dos 33 e recebi os 34 numa segunda-feira de muito trabalho. Várias horas, diferentes turmas, muitos mimos, sorrisos e um "obrigada" constante a sair dos meus lábios. Ouvi vários "Parabéns" cantados nas duas línguas que mais adoro pelas vozes dos que me enchem a alma de alegrias: os meus alunos. Fui surpreendida por eles, bem como por colegas, amigos e familiares. Exagerei na dose de doçura ingerida para estar em sintonia com os gestos dos que me rodeiam.
No fim do dia, a tentativa de não sucumbir ao cansaço feliz sem agradecer a todos. Impossível fazê-lo com palavras quando o coração transborda de sentimentos intensos e ricos. Não faz mal. A caminho estão 365 dias para lhes demonstrar como me são importantes. O primeiro passo está dado. Hoje. Aqui. Agora. Venham os próximos!

sábado, 18 de outubro de 2014

Amigo, maior que o pensamento...


"Quando sabemos com exatidão que fizemos um amigo? Um amigo não se faz, acontece e depois conserva-se. Nalguns casos em águas de bacalhau, noutros em banho-maria e noutros ainda em formol, dependendo do grau de amizade ou se a amizade estiver em vias de extinção. Se for axioma, amigo é como amor em construção (perpétua). Se for haiku (poeminha japonês) então dá "amigo, melhor coisa do mundo". Na linguagem da alta matemática: amigo + amor = mundo."
Tiago Salazar in Crónica da Selva

Conheço pessoas cheias de qualidades e com apenas um defeito. Não gosto delas. Conheço outras que estão cheias de defeitos e têm quase só uma qualidade: um coração do tamanho do Universo. Gosto delas e são minhas amigas. Não se compreende a alquimia da Amizade. Nem se precisa de a compreender.
Tenho amigos que falam comigo todos os dias. Tenho outros que me ignoram em muitos dias. Posso dizer que gosto mais dos segundos, embora gostasse que fossem como os primeiros. Tenho amigos que me magoaram apenas uma vez e nunca mais os perdoei. Tenho amigos que me magoaram como pensei que ninguém fosse capaz de o fazer e não consegui deixar de os perdoar. Tenho amigos que estão longe como se estivessem perto. Tenho amigos que estão perto como se estivessem longe. Vivem todos na geografia do meu coração.
Contam-se pelos dedos de uma mão os laços de amizade que já desfiz nesta vida. E não quero contar com os da outra mão os que desfarei no futuro. Não quero que os meus amigos se transformem em amores, mas quis que os meus amores se transformassem em amigos.
Vivo a Amizade como quero viver a Vida: da forma mais completa e intensa possível. E ao chegar a casa depois de "fazer" um amigo quero cantar sempre como o Sérgio Godinho: "Hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há"!

sábado, 11 de outubro de 2014

Solidão...


"A solidão, li algures, é como estar numa longa fila, à espera de chegar ao lugar da frente, onde nos prometem que vai acontecer algo de bom. Só que a fila nunca avança e está sempre a chegar gente que nos ultrapassa e o lugar da frente, aonde queremos chegar, vai ficando cada vez mais longe até que deixamos de acreditar que tenha alguma coisa para nos oferecer."
Richard Ford in Canadá

E às vezes é bom deixar de acreditar ou simplesmente parar de pensar no assunto… Até porque depois de uma semana de azáfama laboral, a que se segue um sábado inteiro de escritório a prolongar o trabalho da semana que findou, só se pode agradecer por este momento de solidão.
Trauteia-se o silêncio, inala-se a vela acesa no ar que o outono já fez esfriar e partilha-se umas palavras neste espaço que tem tanto de terapêutico como de pacificador… Sabemos que o momento não se poderá prolongar, que a vida social nos espera, que amanhã ainda há metade da lista de afazeres a cumprir e que a segunda-feira não tardará…
Mas, por estes minutos de paz, vale a pena ter sido ultrapassada em qualquer fila ou esquecida numas quantas esquinas da mente alheia… 

domingo, 5 de outubro de 2014

Outono...


"A tua vida ainda vai ter muitas coisas apaixonantes antes de morreres. Por isso, preocupa-te só com o presente. Não excluas nada e trata de ter sempre alguma coisa que não te importes de perder."
Richard Ford in Canadá

Pensa-se nisso enquanto se inala os cheiros de outono e se sente os últimos raios quentes do ano. Apesar de adorarmos esta estação, há alturas em que ela se apodera de nós e se quer acender cá dentro, irradiando alguma melancolia e despertando o medo por tudo o que podemos perder…
Combatemos essa sensação com as cores que despontam, com o cheiro das primeiras velas de baunilha acesas, com alguns minutos de paz antes de mais um evento social cheio de barulho, com o conforto de escrevermos neste nosso cantinho, onde temos voz, independentemente de alguém nos ler ou não.
Agarramos o presente e tentamos não ver as sombras que se podem abater sobre o futuro. Estamos conscientes de que o inverno poderá ser rigoroso e das tempestades a que teremos de resistir. Mas agora queremos que a alma serene e respire um pouco de domingo...