Fotografia by Né - Ribeira dos Caldeirões, Achada - Nordeste São Miguel Açores

sábado, 2 de janeiro de 2021

E o Amor acontece?

"Whenever I get gloomy with the state of the world, I think about the arrivals gate at Heathrow Airport. General opinion's starting to make out that we live in a world of hatred and greed, but I don't see that. It seems to me that love is everywhere. Often it's not particularly dignified or newsworthy, but it's always there - fathers and sons, mothers and daughters, husbands and wives, boyfriends, girlfriends, old friends. When the planes hit the Twin Towers, as far as I know, none of the phone calls from the people on board were messages of hate or revenge - they were all messages of love. If you look for it, I've got a sneaky feeling you'll find that love actually is all around."

Claro que a voz de Hugh Grant emprestada à personagem de David, ou melhor, o Primeiro Ministro, confere ainda mais charme a esta introdução, mas a verdade é que "O Amor Acontece" me conquistou e reconquista de cada vez que o volto a ver (pelo menos uma vez por ano para manter o meu mundo na sua órbita) logo com esta introdução. Afinal é disso que se trata: o triunfo do Amor em todas as coisas e sobre todas elas.

Não deixo de achar graça àquelas pessoas que já não me veem há muito tempo (ou às que até me veem, mas que se lembram de vez em quando de dar voz à curiosidade sobre a minha vida sentimental) e que se atrevem a perguntar-me pelo amor na minha Vida, na esperança de que eu possa partilhar com elas detalhes mais ou menos sórdidos e minuciosos sobre as minhas paixões, dado o seu desconhecimento de um possível namorado ou marido. Coloco sempre o meu sorriso bem-educado e corrijo a sua pergunta com a minha resposta pluralizada para AmorES, dos quais a minha existência está cheia. Não façam esse ar surpreendido! Até parece que é possível viver sem nos apaixonarmos constantemente! (Só por acaso e já que vos falava de um dos meus filmes preferidos, não me importava nada de ter um affairzinho com o Hugh Grant ou com o Colin Firth, para quem seria uma Aurélia bem dedicada!).

Pondo de lado a minha vida emocional (sobre a qual nem com a maior parte dos meus amigos falo, por isso não é no mundo cibernético que o vou fazer), não deixo de me sentir fascinada pela força desse sentimento que nos cola uns aos outros e às coisas desde os primórdios da humanidade. Desde que despertamos, podemos não nos aperceber, mas apaixonamo-nos infinitas vezes, primeiro pelo chão que nos recebe ao sair da cama e que nos protege de cairmos num abismo de inexistência e, por último, pela cama confortável que nos volta a receber ao fim de um dia mais ou menos extenuante. Ninguém nos ouve a declamar poemas de amor ao chão ou à cama, mas os átomos que nos compõem já dependem dessa relação para não se desintegrarem e a nossa permanência neste Universo é, sem dúvida, o maior hino de Amor à Vida.

É claro que, como exemplificava o Hugh, ou melhor, o David (como somos íntimos nas minhas fantasias, não o vou chamar de Sr. Primeiro Ministro!), há vários tipos de amor e a maior parte nem é digna de registo. Pois bem, eu quis e quero dignificá-los. Talvez já tenha visto o filme demasiadas vezes, mas o Natal foi há pouco tempo, ainda me sinto lamechas e tenho a banda sonora do mesmo a repetir-me, não só ao ouvido, mas sobretudo ao coração: "All you need is love". E não gosto de cantar sozinha...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

(Re)começo...

 


Recomeço porque posso (e porque quero!), sem angústia e sem pressa, este projeto ao qual dei início a 1 de janeiro de 2010. Durante sete anos, fui deixando aqui pedaços da minha alma em forma de escrita. Podiam passar-se meses sem vir aqui partilhar nada, mas tinha como tradição escrever pelo menos um texto no primeiro dia do ano, em jeito de homenagem ao dia de aniversário deste cantinho.

Em 2018 não o fiz. Parece que o prenúncio do ano difícil que teria amordaçou a minha inspiração à nascença, sem que o soubesse ou pensasse sequer nisso. De facto, 2018 trouxe a doença à minha família, ao meu quotidiano. Sem aviso prévio, sem forma possível de preparação, tive de lidar com um tumor maligno diagnosticado ao meu Pai. Num dia estava bem, noutros dois estava a sentir-se meio abatido (achamos que era uma gripe!) e no dia seguinte deu entrada no hospital para só sair com um diagnóstico incerto, um reencaminhamento quase imediato para o Garcia de Orta, um diagnóstico confirmado e assustador, uma cirurgia e o regresso com sequelas da mesma. Seguiu-se a luta de um ano e todas as prioridades se alteraram, entre a fisioterapia, a radioterapia, os diversos internamentos, as crises, os sustos, o receio constante... Se a escrita poderia ter sido um calmante, um analgésico, um paliativo? Provavelmente... Mas confesso que nem tive espaço no coração para a encontrar porque ele estava a bater em piloto automático.

2019 também não teve um texto de ano novo neste blogue. Foi o ano em que a morte visitou a minha realidade. Até então apenas tinha perdido os meus avós e, por mais que fosse próxima da minha Avó materna, ela tinha partido depois de 97 anos neste planeta, tendo deixado todos os mimos em dia em relação à minha pessoa e a sua perda, embora difícil (e não são todas?), foi natural em termos de superação. Mas 2019 trouxe a Morte que não fazia parte dos planos até há um ano. O meu Pai foi diagnosticado ainda aos 64 anos, quando se preparava para desfrutar do descanso depois de uma vida de labuta. De forma quase profética, costumava dizer: "Quando um homem chega à reforma, já não tem saúde para a gozar." Ironicamente assim foi. O corpo dele esteve mais um ano (menos dois dias) depois do internamento connosco, mas o seu cérebro, invadido pelo tumor, já perdera a sua essência e esse é um cenário ao qual nenhum familiar deveria ter de assistir porque destrói toda a crença em relação à resistência das nossas faculdades mentais. Por mais que se tenha lido e ouvido sobre o assunto, o luto é um processo pessoal e intransmissível. Não vou descrever o meu, até porque não o saberia fazer, mas garanto que é a maior fonte de autoconhecimento e que é interminável.

Se me reportar ao primeiro dia de 2020, também não sei porque não deixei aqui nenhumas palavras. Talvez achasse que, uma vez interrompida esta minha tradição, já não valeria a pena retomá-la. A verdade é que seria mais um ano de desafios, desta feita não só na minha história pessoal, mas para toda a Humanidade. Não vou escrever sobre o vírus que invadiu as nossas rotinas e que nos obrigou a reaprender a viver e a coexistir porque é assunto mais do que tratado. Também não vou expor os meus sentimentos em relação ao tema porque serão provavelmente semelhantes aos de tantos outros seres humanos.

Depois deste interregno, hoje acordei (já tarde, como manda a lei do primeiro dia do ano, porque, depois dos festejos e brindes muito caseiros, decidi começar o ano a rever um dos filmes que repetirei até à exaustão e do qual nunca me cansarei, "O Amor Acontece") e lembrei-me de vir aqui deixar um texto. A escrita pode ser tecida de tantas emoções. Quero entrelaçar esta com os fios da minha esperança de que 2021 seja um ano melhor. Que, simbolicamente e sob todas as suas formas, o Amor aconteça e nos continue a alimentar nesta caminhada. 

Antes de chegar à página do blogue, parei nas notícias e descobri que faleceu o fadista Carlos do Carmo. Escolhi uma playlist dele no Spotify como banda sonora enquanto escrevi. Coincidência ou não, neste preciso momento a voz imortal dele canta uma das minhas letras preferidas, "No teu poema". E eu agarro-me aos versos que me ecoam na alma:

"No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida"

Que nos possamos continuar a debruçar para a vida e a respirar com coragem até conseguirmos preencher este verso em branco e sem medida com a poesia do nosso existir...