Fotografia by Né - Ribeira dos Caldeirões, Achada - Nordeste São Miguel Açores

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Beleza


"Quando contemplamos a miríade de diamantes estelares que mancham o céu noturno ou quando paramos para nos deleitarmos com o pissitar melodioso do estorninho entre as folhas de um plátano ou com esta neblina fosca que pinta as ruas de Londres de cinzas de mistério, o espanto maravilhado que sentimos confirma-nos que o mundo é um lugar especial e que, enquanto elementos desse mundo, também nós somos especiais, abençoados pelo toque do divino como se nós próprios fossemos divinos. O universo que abraça estas maravilhas também nos abraça a nós, vem até nós e nós fundimo-nos nele como se todos fôssemos um. A beleza confirma-nos subtilmente que a vida tem um sentido. Podemos não saber que sentido é esse mas intuímos pela tangibilidade da beleza que ele existe, e é por isso, meu caro amigo, que você e eu e tantos outros nos sentimos tão tocados por tudo o que é belo. Quando procuramos a beleza, estamos na verdade a procurar o propósito da nossa própria existência."
José Rodrigues dos Santos

Não é preciso contemplar o céu à noite para termos contacto direto com a beleza. Ela visita-nos na simplicidade do quotidiano, se estivermos atentos, e nem precisamos de a procurar. Também não é necessário fazer grandes pausas na nossa existência para a homenagear sempre que ela se manifesta. Basta que nos sintamos gratos por cada instante em que ela cai sobre nós e nos envolve num véu que nos protege da monotonia e nos agasalha da fria fealdade.
Uma mensagem que chega ao telemóvel e que nos faz rir, um episódio daquela série que nos faz chorar, uma passagem do livro que nos arrepia a pele e que apetece vir aqui partilhar, todos estes são instantes em que o belo nos visita e nos ajuda a encontrar o tal sentido para a nossa existência.
Viver sem esses momentos seria impensável, tal como habitar uma casa vazia. Desfrutemos, pois, de todos e de cada um, com a mesma satisfação que sentimos quando nos estendemos num sofá confortável e oferecemos esse prazer aos músculos, porque, ao fazê-lo, estaremos a satisfazer a nossa alma e a torná-la ainda mais rica...

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Respostas...


- We don't read and write poetry because it's cute. We read and write poetry because we are members of the human race. And the human race is filled with passion. And medicine, law, business, engineering, these are noble pursuits and necessary to sustain life. But poetry, beauty, romance, love, these are what we stay alive for. To quote from Whitman, "O me! O life!… of the questions of these recurring; of the endless trains of the faithless… of cities filled with the foolish; what good amid these, O me, O life?" Answer. That you are here - that life exists, and identity; that the powerful play goes on and you may contribute a verse. That the powerful play goes on and you may contribute a verse. What will your verse be?
Professor Keating, "Dead Poets Society"

Têm-se sucedido neste cantinho os tributos póstumos a pessoas que admirei. Parece que o mundo anda a ficar cada vez mais vazio de mentes que marcaram a diferença. Precisei de uns dias para me mentalizar da partida do ator Robin Williams e só agora consigo vir aqui tentar verbalizar algumas respostas para perguntas que eu própria formulei.
Apesar de o admirar desde que comecei a ter noção do que era ser um bom ator, para mim ele será sempre o Captain, my Captain do "Clube dos Poetas Mortos". Da primeira vez que vi o filme (vez essa que já se elevou em expoente até um número que deixei de contabilizar), já sabia que queria ser professora, mas lembro-me de pensar que ser professor era uma missão ainda mais nobre do que julgara anteriormente. Para mim, uma das virtudes dos bons filmes e dos bons atores é fazerem-nos refletir sobre a nossa própria existência e contagiarem-nos de alguma forma com aquilo que estão a veicular. Robin Williams tinha esse efeito em mim. Fez-me pensar, chorar e rir muito. No fim, surpreendeu-me. Não pensei que o "verso" de resposta dele à pergunta de Whitman fosse o que ele escolheu. Mas até aí ele deixa food for thought.
Sobretudo, deixa-me a pensar que nada sabemos, por vezes, do que vai dentro da alma alheia. E que a vida pode assumir, num ápice, a forma de uma estrada que não contávamos percorrer. O importante é saber qual a nossa bússola, onde está o nosso norte e que rumo consciente pretendemos dar aos nossos passos. Para que o nosso "verso" de resposta seja: 
- Estou aqui. Quero estar aqui. Sou eu. Sinto-me bem a sê-lo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Sofrimento...


"Bem, menina, pode fazer o que quiser com o seu sofrimento. Ele pertence-lhe. Mas vou dizer-lhe o que faço com o meu. Agarro-o pelos cabelos, atiro-o ao chão e esmago-o debaixo do salto da minha bota. Sugiro que aprenda a fazer a mesma coisa."
Elizabeth Gilbert

É o que tenho tentado fazer com o passar dos anos… Mas, depois de esmigalhar esse sofrimento, apanho-o do chão e aperto-o nas mãos como se de um punhado de areia se tratasse. Espremo-o até que todos os grãos de tristeza, de amargura ou de injustiça se escapem por entre os meus dedos. Há sempre uns quantos que sobram, na concha formada pela palma da minha mão. Sei que esses são os motivos que me fizeram sofrer e não preciso de os olhar de perto para saber que são o que resta dos momentos que estão associados às pessoas que mais amei ou amo. Não lamento essas experiências nem posso querer mal àqueles que entraram no meu coração porque, por norma, já não saem mais dele. Resta-me a certeza de que, apesar de não terem sido eternos, foram intensamente duradouros enquanto existiram. E isso basta-me para soprar para longe o que resta do pó do meu sofrimento e lavar as mãos para receber a próxima dose de areal para peneirar...

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Feridas...


"Dizem que o tempo sara todas as feridas. Talvez seja verdade. Mas há feridas que parecem não sarar. Sangram, vertem pus, voltam a sangrar, surpreendem-nos a magoar a alma quando esta já deveria estar habituada e imune a tanta dor. É certo que, às vezes, essas feridas acalmam, como as marés que recolhem a água e recuam para o mar alto; mas, tal como as marés, regressam depois, revigoradas, pujantes, invadindo de novo a praia e fazendo sentir o fulgor da sua presença, o ímpeto do seu regresso."
José Rodrigues dos Santos

Há feridas de dimensão inimaginável… Só de as vermos nos outros elas doem-nos de forma quase insuportável. Queremos ajudar e vasculhamos o nosso íntimo, em busca do que poderíamos tirar da caixa de primeiros socorros que carregamos na alma, mas cedo nos apercebemos de que nada do que possamos fazer ou dizer aliviará tamanho sofrimento.
Lembramo-nos de quando fomos nós a sofrer e a tal brecha de dor reabre-se. Choramos pelos que estão magoados agora e pelas nossas próprias mágoas que o tempo apenas varreu para debaixo da tapeçaria da nossa existência. Sempre que procedemos a arrumações cá dentro, tentando guardar novas experiências, os tapetes movem-se e elas ressurgem… Paramos para as contemplar, como se as tivéssemos esquecido, como se já não soubéssemos os motivos que as provocaram...
À tona do nosso olhar recebemos, não só algumas lágrimas passadas, mas também olhares, sorrisos, memórias, instantâneos de felicidade que também já arquiváramos. Agradecemos? Claro, sempre… Porque tudo o que nos fez sofrer começou por nos fazer sorrir… É só isto que temos para passar como testemunho aos que agora sofrem. Sabemos que não basta, mas nada alguma vez será suficiente de novo...