Fotografia by Né - Ribeira dos Caldeirões, Achada - Nordeste São Miguel Açores

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Regras...


REGULAMENTO
(Aos praticantes do sonho)

Artigo 1º
Não estacione o coração em becos sem saída (demore o tempo estritamente necessário para largar despedidas ou carregar abraços)

Artigo 2º
Se beber, com o intuito de se lavar por dentro, não conduza (é quase impossível dar banho ao pensamento sem molhar a lucidez)

Artigo 3º
Antes de atravessar a realidade, pare, escute e olhe, certifique-se de que não existem ilusões em contra-mão (descalce os caminhos que já não lhe servem - caminhos são sapatos que a terra nos oferece para descalçar irrealidade)

Artigo 4º
Não abra a boca a beijos desconhecidos (especialmente aos conhecidos que se fazem desconhecer)

Artigo 5º
Evite adormecer em sonos usados (cansam mais do que subir o infinito a pé)

Artigo 6º
Seja mais sonhamor e menos sonhador (a dor não faz falta. Cria ausências)

Artigo 7º
Nunca faça amor em locais proibidos, salvo em legítima defesa da saudade.

Heduardo Kiesse (poeta angolano)

Este conjunto especial de regras fez-me pensar em como vivemos aprisionados pelas grilhetas do que há para fazer, de horários, de listas de tarefas, de prazos a cumprir e de rotinas durante grande parte do ano (e da vida). Chega uma altura em que temos de instituir uma nova regra: não ter regras, nem que seja por apenas alguns dias ou idealmente por um mês (pelo menos!).
Ao abrigo desse novo e temporário (des)regulamento, o despertador será o sol a bater na cara; o pequeno-almoço poderá ser ao lanche e o almoço ao jantar; a roupa terá o padrão da frescura e o calçado a textura de um areal; os óculos irão à cara para desbravar a montanha de livros a ler (só aqueles que nos chamam pelo nome que é nosso e não os que se impõem por nos terem sido oferecidos e sugeridos e por acharmos que temos de conhecer por dentro); os planos serão feitos consoante a meteorologia da vontade e os sonhos coloridos habitarão todas as sestas de cada entardecer.
E assim se cumprirá a única regra que se deveria impor a alguém: deverás ser feliz durante o máximo de tempo possível e transmitir essa felicidade aos que conheces. Porque só isso é obrigatório. Só isso é urgente. Só isso é qualidade de vida.