Em vez de escrever eu, no primeiro dia das minhas férias, vou deixar o José Luís Peixoto falar... Porque ele diz tudo...
"Mesmo a tentarmos muito, não
conseguimos prever tudo aquilo que aprenderemos de olhos fechados, só a sentir
o sol. Agora, no primeiro dia, as férias parecem infinitas. É impossível
imaginar o seu fim. Serão constituídas por tardes inteiras e cada uma dessas
tardes sob esta claridade terá o tamanho de uma vida. Agora, mesmo a tentarmos
muito, não conseguimos prever a quantidade de tempo que iremos passar ao lado
de pessoas que são importantes para nós e de outras pessoas, ainda
desconhecidas mas que, depois desse encontro, começarão também a ser
importantes para nós.
Como será a voz desses que vamos
conhecer? Nós somos tão tímidos. Como será o momento em que iremos deixar que
alguém se aproxime? Quais serão as primeiras frases que trocaremos e, depois, de
que forma esse estranhamento inicial, esse calcular preciso de cada expressão,
se transformará em à-vontade? Agora, no primeiro dia, todo o tempo que se
aproxima é um lago de perguntas, tem a temperatura certa, apetece mergulhar.
E é quase certo que, ao longo
destas férias, iremos nadar ou, simplesmente, ficar dentro de água a sentir a
maneira como, nesse mundo líquido, nessa dimensão, somos mais leves. Lá, na
água, poderemos voar, abandonar o chão. E não caímos ou demoramos momentos
longos a cair e temos muita oportunidade de sentir a extravagância de flutuar.
Irá parecer-nos que, se pudéssemos, passaríamos todos os dias da nossa vida a
flutuar.
E até me parece que já sou capaz
de ouvir os sons de alegria: o barulho de nos espreguiçarmos em manhãs sem despertador
ou o rugido sereno do horizonte quando estivermos sentados ao fim da tarde, em
silêncio. É uma ilusão acreditar que ouço esses sons por antecipação. É exatamente
o contrário. Esta é uma felicidade antiga, vem desde o tempo em que o riso das crianças
era o meu próprio riso. Aquilo que me diziam com o olhar no primeiro dia de
férias era igualmente imenso e impossível de conceber na sua totalidade. Por
isso, os filósofos gregos do décimo ano mentiam quando afirmavam que não é
possível repetir o tempo. Estar aqui, agora, perante o futuro é a prova
absoluta e irrefutável disso mesmo. Desculpem, estátuas de mármore.
Sim, eu sei, não sou nenhum
menino. Sei que não vamos estar de férias para sempre, mas essa é apenas uma
certeza teórica, porque agora estou ao lado dos meus filhos e da minha mãe,
este é o nosso primeiro dia de férias e a verdade deste presente é
avassaladora. Em si, este é um momento para sempre. Agora, as férias parecem
infinitas e, agora, no interior deste momento, são mesmo infinitas. Aquilo que
acontecerá mais tarde não existe ainda, nada o pode garantir. Agora, existe
esta luz que nos cobre tranquila, ninguém está doente, o ar cheira bem,
respira-se e estou a tão pouca distância dos meus filhos e da minha mãe que
posso tocá-los. Se lhes disser algumas palavras, não importa se são as mais
importantes ou as mais passageiras, eles podem ouvir-me.
Este é o nosso tempo.
Aqui, aprecio a eternidade deste
momento e sorrio com o tamanho inteiro da minha presença."
por José Luís Peixoto
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