Fotografia by Né - Ribeira dos Caldeirões, Achada - Nordeste São Miguel Açores

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Tempo para ter férias


Em vez de escrever eu, no primeiro dia das minhas férias, vou deixar o José Luís Peixoto falar... Porque ele diz tudo...


"Mesmo a tentarmos muito, não conseguimos prever tudo aquilo que aprenderemos de olhos fechados, só a sentir o sol. Agora, no primeiro dia, as férias parecem infinitas. É impossível imaginar o seu fim. Serão constituídas por tardes inteiras e cada uma dessas tardes sob esta claridade terá o tamanho de uma vida. Agora, mesmo a tentarmos muito, não conseguimos prever a quantidade de tempo que iremos passar ao lado de pessoas que são importantes para nós e de outras pessoas, ainda desconhecidas mas que, depois desse encontro, começarão também a ser importantes para nós.
Como será a voz desses que vamos conhecer? Nós somos tão tímidos. Como será o momento em que iremos deixar que alguém se aproxime? Quais serão as primeiras frases que trocaremos e, depois, de que forma esse estranhamento inicial, esse calcular preciso de cada expressão, se transformará em à-vontade?  Agora, no primeiro dia, todo o tempo que se aproxima é um lago de perguntas, tem a temperatura certa, apetece mergulhar.
E é quase certo que, ao longo destas férias, iremos nadar ou, simplesmente, ficar dentro de água a sentir a maneira como, nesse mundo líquido, nessa dimensão, somos mais leves. Lá, na água, poderemos voar, abandonar o chão. E não caímos ou demoramos momentos longos a cair e temos muita oportunidade de sentir a extravagância de flutuar. Irá parecer-nos que, se pudéssemos, passaríamos todos os dias da nossa vida a flutuar.
E até me parece que já sou capaz de ouvir os sons de alegria: o barulho de nos espreguiçarmos em manhãs sem despertador ou o rugido sereno do horizonte quando estivermos sentados ao fim da tarde, em silêncio. É uma ilusão acreditar que ouço esses sons por antecipação. É exatamente o contrário. Esta é uma felicidade antiga, vem desde o tempo em que o riso das crianças era o meu próprio riso. Aquilo que me diziam com o olhar no primeiro dia de férias era igualmente imenso e impossível de conceber na sua totalidade. Por isso, os filósofos gregos do décimo ano mentiam quando afirmavam que não é possível repetir o tempo. Estar aqui, agora, perante o futuro é a prova absoluta e irrefutável disso mesmo. Desculpem, estátuas de mármore.
Sim, eu sei, não sou nenhum menino. Sei que não vamos estar de férias para sempre, mas essa é apenas uma certeza teórica, porque agora estou ao lado dos meus filhos e da minha mãe, este é o nosso primeiro dia de férias e a verdade deste presente é avassaladora. Em si, este é um momento para sempre. Agora, as férias parecem infinitas e, agora, no interior deste momento, são mesmo infinitas. Aquilo que acontecerá mais tarde não existe ainda, nada o pode garantir. Agora, existe esta luz que nos cobre tranquila, ninguém está doente, o ar cheira bem, respira-se e estou a tão pouca distância dos meus filhos e da minha mãe que posso tocá-los. Se lhes disser algumas palavras, não importa se são as mais importantes ou as mais passageiras, eles podem ouvir-me.
Este é o nosso tempo.
Aqui, aprecio a eternidade deste momento e sorrio com o tamanho inteiro da minha presença."
por José Luís Peixoto

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