Fotografia by Né - Ribeira dos Caldeirões, Achada - Nordeste São Miguel Açores

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Amigos...


"…os meus amigos não são aqueles para quem fui tudo até ao momento em que passei a ser nada, não são aqueles que me abandonaram quando deixei de lhes ser útil, os meus amigos não são aqueles com quem partilhei segredos e que, anos mais tarde, quando nos cruzamos por acaso, nem sei se hei-de cumprimentá-los."
José Luís Peixoto

Complexa esta história da amizade… Nem sempre chega a história porque infelizmente, para alguns e com alguns, as páginas soltas de momentos vividos não se agrupam em capítulos nem se tornam obra… Mas desses não reza esta crónica…
Eis senão quando prosseguimos a caminhada, já sem acreditar muito em renovar a lista dos que nos querem bem, e somos surpreendidos por palavras e gestos que nos afagam a alma. Quedamo-nos primeiro em espanto e depois vamo-nos aproximando a medo, pé ante pé, para não acordar memórias de más experiências anteriores. Damos por nós a fazer isso enquanto sorrimos muito ou rimos até, pelo que nos é dado a conhecer do outro. E não queremos travar o sorriso nem silenciar a gargalhada porque eles rejuvenescem o nosso espírito.
Chegamos ao outro lado e sentamo-nos. Recostamo-nos. Há conforto, cumplicidade, alegria, partilha, confiança. Tudo ingredientes indispensáveis a uma receita de amizade verdadeira. Arquivamos as dúvidas, o receio de voltar a não ser "para a vida" que se ativa quase automaticamente quando pensamos nos que já nos deixaram pôr a mesa e ficar a comer sozinhos…
Sentimos e sabemos que desta vez é diferente e que podemos estar perante alguém que passará a fazer parte da elite dos que escolhemos para tatuar na pele da alma. Brindamos e deixamo-nos ficar a saborear, não sem antes pararmos para agradecer (várias vezes!) ao Universo por ainda apresentar no seu cardápio Amizades assim...

domingo, 20 de julho de 2014

Carpe diem...


"Resta quanto tempo? Não sei. O relógio da vida não tem ponteiros. Só se ouve o tique-taque... Só posso dizer Carpe Diem, colha o dia como um morango vermelho que cresce à beira do abismo. É o que tento fazer." 
Rubem Alves

Ontem o mundo da pedagogia ficou mais pobre com a morte deste homem que contagiava tudo e todos com a sua escrita sobre educação. Lembro-me de o ter descoberto durante a licenciatura, enquanto percorria a minha senda para me tornar professora. Fiquei positivamente viciada nos seus livros, tendo-os comprado e devorado quase todos, embora o Português do Brasil sempre me tivesse feito "espécie".
O que me falou mais alto na sua escrita foi a voz do coração que usava para expressar a entrega ao ato de ensinar (e de aprender em simultâneo). Fui acreditando que era mesmo possível embarcar nesta profissão por vocação e continuar a exercê-la como tal.
Depois de quase doze anos de exercício, não nego que há alturas em que o cansaço me quer vencer, a pilha de trabalho que me espera atormenta o meu olhar e a paciência chega a falhar perante a adolescência mais peculiar de alguns alunos. Mas continuo firme na paixão que me levou a querer exercer esta nobre missão e, nesses momentos, consulto a prateleira da minha estante dedicada à pedagogia, onde vivem os livros deste sábio amante do mundo do ensino
Obrigada, Rubem Alves, porque as tuas palavras foram tantas vezes os "morangos vermelhos" que colhi à beira do abismo. Olha por nós, professores, do alto da tua sensatez eterna e inspira-nos a continuar...

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Sou o que não sou...


"Não sei a mulher que sou mas sei a mulher que não sou. Não sou a mulher que se esconde nos tachos, a mulher que se cala nas horas, que se entrega ao embuste da segurança, à fraude suportável de ver passar o tempo. Não. Não sou. Não sou a mulher do fado e das lágrimas, a mulher do enfado e das rotinas, dos sonhos que se arrastam pelas esquinas. Não. Não sou. Não sou mulher de sorrisos quando existe a gargalhada, de aldeias quando existe o mundo. Não sou nem um milímetro menos do que aquilo que posso ser, e se um dia cair foi porque tentei saltar e não porque preferi aceitar."
Pedro Chagas Freitas

Gosto de não saber que mulher sou. Porque essa é uma incógnita que me permitirá passar o resto da vida a descobri-lo…
Não gosto de tachos nem de os encher para cozinhar, mas gosto de boa comida e de ter encontrado para mim própria, sem ajuda e com muita persistência e força de vontade, o equilíbrio no que posso comer e quando. Gosto de me compensar pelo esforço e de saborear um bom prato ou uma boa sobremesa. Acredito que, tal como em tudo na vida, o que não se pode fazer sempre ganha cambiantes ainda mais deliciosos de sabor.
É-me difícil calar-me nas horas, mas também preciso de me silenciar por vezes. Gosto de me sentir segura, mas não troco a minha dose de loucura por um porto só. Cansei-me de abrigos quando percebi que quase todos acabavam por me deixar a descoberto mais cedo ou mais tarde. Ver passar o tempo cansa-me, por isso ignoro os relógios e afundo-me nos livros, esquecendo-me de que a areia cai na ampulheta do existir.
Gosto de algum fado, deito algumas (por vezes muitas!) lágrimas, bocejo perante o enfado e tento encher de cor as minhas rotinas. Se sonho, tento dobrar as esquinas com que me deparo oniricamente.
Os meus sorrisos preferidos são os que terminam em gargalhadas. Gosto de aldeias para me sentar em paz e pensar no mundo. Gosto do mundo porque nele existem as minhas aldeias.
Meço os milímetros do que me é importante para conseguir a medida certa do que faz feliz. E nessa medição permanente tento encurtar a distância que me separa dos que me são queridos, embora nem sempre o consiga, porque eles se movem e se afastam com o movimento das placas tectónicas do existir.
Já caí muitas vezes, mas levantei-me, por vezes a custo, de outras num salto. Tropeço e tropeçarei muito mais em obstáculos que quero conseguir sempre transpor. Não prefiro aceitar nada do que não queira, embora saiba quando tenho de me calar e engolir sapos. Até eles começarem a coaxar demasiado cá dentro e terem de ser mandados para longe.
Não sei o que sou, mas sei o que não sou e o que não quero ser.
Autopsicografia incompleta, mas plena de mim...

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Inspiração para a reta final...


Aproxima-se a reta final de mais um ano letivo e o cansaço já faz arrastar as últimas tarefas burocráticas… Adia-se a escrita do famigerado relatório de avaliação de desempenho docente e vai-se dando conta de outros mil e um pequenos afazeres que se foram acumulando e para os quais também não há muita energia… Sou professora de sala de aula, de aulas para preparar e dar, de alunos com quem partilhar e a quem sorrir (ou ralhar, quando se justifica!). Esta fase sem eles é necessária, até porque os ouvidos precisam de respirar uma certa serenidade, mas a verdade é que qualquer escola sem alunos parece quase um deserto. Estando neste estado de alma e neste cenário, recebi já há uns dias o texto que escolho partilhar, porque me fez sorrir com alma, agradecer aos que ainda dão algum valor a esta nobre missão que escolhi e inspirar-me para o último sprint

Os Professores

Achei muito tempo que ia ser professor. Tinha pensado em livros a vida inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não guardava dúvidas acerca da importância de ensinar. Lembrava-me de alguns professores como se fossem família ou amores proibidos. Tive uma professora tão bonita e simpática que me serviu de padrão de felicidade absoluta ao menos entre os meus treze e os quinze anos de idade.

A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria do mundo em que o mundo se tem vindo a tornar.

Nunca tive exatamente de ensinar ninguém. Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas clarividências ao cão que tenho há umas semanas. Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho. Quero muito que o Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras para que tenhamos uma vida melhor, mas não suporto a tristeza dele quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise. Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática, não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe.

Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os transformam em melhores versões. Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesse crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer que alguém os discutisse comigo.

Houve um dia, numa aula de história do sétimo ano, em que falamos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora, uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também, que eram os olhos que induziam a sensação de vida às figuras de pedra. A senhora regozijou. Disse que eu estava muito certo. Iluminei-me todo, não por ter sido o mais rápido a descortinar aquela solução, mas porque tínhamos visto imagens das estátuas mais deslumbrantes do mundo e eu estava esmagado de beleza. Quando me elogiou a resposta, a minha professora contente apenas me premiou a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir maravilha que ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes. Profundamente felizes.

Talvez estas coisas só tenham uma importância nostálgica do tempo da meninice, mas é verdade que quando estive em Florença me doíam os olhos diante das estátuas que vira em reproduções no sétimo ano da escola. E o meu coração galopava como se estivesse a cumprir uma sedução antiga, um amor que começara muito antigamente, se não inteiramente criado por uma professora, sem dúvida que potenciado e acarinhado por uma professora. Todo o amor que nos oferecem ou potenciam é a mais preciosa dádiva possível.

Dá-me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é destruir a nossa própria casa. Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos, que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior do que comer apenas sopa todos os dias.

Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade. E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto.

As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se.

Valter Hugo Mãe


domingo, 13 de julho de 2014

Lixo...


Não suporto o cheiro a lixo... Sobretudo quando ele vem das pessoas...
Pessoas? Terão essa capa, mas no interior apenas oco resquício de humanidade. E mesmo esse é ignorado quando remexem na vida alheia em busca de um rasto de destruição.
Quando não o encontram, inventam-no e seguem-no, proclamando-o tão verdadeiro como se o tivessem descoberto. Divertem-se nesse jogo da apanhada e fazem dele uma maratona... Quando não a estão a correr, ocupam-se nos treinos para a disputar...
E eu? Eu não suporto o cheiro a lixo... Gosto do cheiro a bondade, a respeito, a privacidade. E vou colecionando as pessoas que cheiram assim. São cada vez mais raras e não as procuro. Encontro-as, de vez em quando, enquanto passeio pelos jardins da vida. Contemplo-as, fotografo-as com a objetiva da alma e guardo-as para sempre no álbum das melhores recordações de uma vida. É esse o álbum que quero ser apanhada a folhear no meu derradeiro dia...

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Wise Crayons...


"We could learn a lot from crayons: some are sharp; some are pretty; some are dull; others are bright; some even have weird names, but they have all learned to live together in the same box."

Lembrei-me desta sabedoria na semana passada, ao voltar a pôr os pés (e o corpo todo!) num transporte público. Sempre andei de autocarro enquanto estudava, desde o 5º ano até ao último da Universidade. Estou grata aos meus pais por não me terem tirado essa experiência de vida, uma vez que considero que ela me tornou uma pessoa bem mais paciente e tolerante.
Tais características são muito importantes, uma vez que a convivência diária com o Outro nem sempre constitui um desafio fácil. Apesar de termos de partilhar esta caixa que é a vida, fomos concebidos com diferentes cores, feitios, invólucros e até cheiros... O espaço que nos foi destinado tem de ser bem gerido para que não choquemos com os que nos rodeiam, sob pena de os amolgarmos ou até partirmos.
É pena que nem todos os lápis que coabitam os mesmos lugares connosco tenham conhecimento disto ou o lembrem na sua ação diária. É por isso que muitas vezes chegamos a casa no fim de mais um dia e temos de nos "lavar" das marcas de cores alheias que teimam em cravar-se em nós, ameaçando fazer desvanecer a que era genuinamente nossa...

domingo, 6 de julho de 2014

Dor...


"A dor é como o tecido: quanto mais forte é, mais valor tem."
John Green

Sou mulher de letras e de livros... Mas nem só de clássicos vive a minha leitura.
Há umas semanas agarrei no livro A Culpa é das Estrelas na livraria e só o larguei quando acabei de o ler dois dias depois... Tinha pegado nele por curiosidade, porque queria ver o filme, mas primeiro conhecer a obra que lhe dera origem. Não me envergonho de dizer que chorei.
Ontem fui ver o filme e voltei a chorar. Chamem-me lamechas, se quiserem.
Chorei pelos amigos que perdi devido à Doença. Chorei pelos amigos que lutaram contra a Doença. Chorei pelos amigos que ainda lutam contra a Doença todos os dias. Chorei por aqueles que vão lutar contra a Doença e ainda não o sabem.
Mas, se a culpa é das estrelas, eu agradeço a esses corpos brilhantes por terem permitido que eu conhecesse e conheça todas essas pessoas, porque sem elas a minha vida teria sido bem menos infinita de possibilidades felizes...

terça-feira, 1 de julho de 2014

Recordar é viver...


"You can love someone so much, but you can never love people as much as you can miss them."
John Green

Ontem fez mais um ano que partiste... Já lá vão cinco, mas, ano após ano, acontece esta viagem nostálgica a uma infância em que me encheste de carinho e ensinaste que havia sempre mais energia dentro de nós para dar ao mundo e que sorrir nunca era demais (e falar também não...).
Quando dou por mim a tagarelar sem descanso, lembro-me de ti e sorrio... E sei que esse sorriso contém a gratidão, o respeito e a homenagem de quem me passou o testemunho da vida em primeira mão...